ARTIGO

31 de março foi em 1º de abril

Por Cecílio Elias Netto |
| Tempo de leitura: 3 min

Tão grande a farsa, que até a data foi falsificada. Os golpistas militares e civis deram-se conta, apenas depois, que a quartelada acontecera, na realidade, no dia 1º de abril de 1964. Era o “Dia da Mentira”, tal qual tudo o que se fizera para enganar o ingênuo povo brasileiro. Um tresloucado General Olímpio Mourão Filho movimentou suas tropas, em Juiz de Fora, no dia 31 de março. Era uma aventura maluca. Que deu certo, graças à adesão também criminosa dos governadores Magalhães Pinto (Minas Gerais), Adhemar de Barros (São Paulo) e o genial, mas golpista por vocação, Carlos Lacerda (Guanabara).

Fizera-se – como num balcão de negócios – a vontade dos Estados Unidos, publicamente declarada por seus presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson. “Não haverá outra Cuba na América do Sul” – falsamente declaravam. Era o grande pretexto, a grande farsa. A campanha estadunidense contra o então presidente brasileiro, João Goulart, foi tanto difamatória quando ridícula. Goulart, o Jango, fora taxado de comunista – a desculpa esfarrapada que ainda serve aos fascistas – ele, que era um dos maiores latifundiários do Brasil. A fortuna de Jango era reconhecida nacionalmente. Aqui mesmo, em Piracicaba, o prefeito Luciano Guidotti, alardeava, orgulhosamente, ter obtido empréstimos de João Goulart para desenvolver seus vitoriosos empreendimentos.

Foi um golpe de estado claramente previsto por aqueles com um mínimo de percepção da realidade política internacional. Estávamos na chamada Guerra Fria, o mundo instável e amedrontado por fantasmas, por invenções, falsas ameaças comunistas. Vergonhosas e infames foram as perseguições, torturas e mortes causadas pelo terror verde-oliva. O Exército brasileiro, em sua ala extremista, pareceu deliciar-se em revelar a sua face cruel. A insegurança assombrou o povo brasileiro. E o vice-presidente da República de então, José Maria Alkmin, um civil, protestou: “o perigo da ditadura é o guarda da esquina”. Pois cada golpista passou a considerar-se um Torquemada. Fecundaram-se os ódios, liberaram-se desavenças pessoais, alimentaram-se apetites oportunistas. Foi a noite negra das liberdades civis.

Piracicaba não ficou alheia. Nossas lideranças aderiram ao golpe com cautela, mas jubilosamente. A incrível e farisaica Marcha com Deus, pela Família e pela Liberdade foi, aqui, realizada apenas dias após o golpe. E era, também, para desempenhar uma outra farsa – criada pelo jornalista, Assis Chateaubriand – doar “Ouro Para o Bem do Brasil”. Quem não doasse tonava-se suspeito de ser “vassalo de Moscou”, pois o golpe batizara-se como Revolução Redentora.

Lá se foram, pois, 60 anos, mas o Brasil vive, ainda, os malefícios de uma “anistia geral e irrestrita” que evitou se fizesse justiça na apuração de responsabilidades. Pouco se apurou, a não ser a ação da valorosa Comissão da Verdade com seus limites de atuação. A impunidade foi tal que tornou possível o quase inacreditável: um militar, assessor de ditadores também fardados, tornou-se general e é, ainda, guru da tirania, ministro de triste memória: Augusto Heleno.

A democracia brasileira continua em seu estágio juvenil. Ainda outra vez. Pois, toda vez em que começou a amadurecer, foi violentada. Mostra-se, porém, robusta. No entanto, há que estarmos atentos à advertência do notável Otávio Mangabeira: “a democracia é planta tenra que tem que ser adubada diariamente”. Ou a histórica lição atribuída a Thomaz Jefferson: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Aquele 1º de abril de 1964 foi a grande mentira que traiu o Brasil.

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