ARTIGO

Cidadania em frangalhos

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

Uma das maiores honrarias que uma cidade pode conceder a alguém não nascido em suas terras é o Título de Cidadão, destinado a quem contribui significativamente para o desenvolvimento da localidade em questão.

No caso de Piracicaba, foram muitos os que receberam tal honra pelos serviços prestados à cidade.

Recentemente, por exemplo, o profissional Nelson Ferreira, natural de Bandeirantes, Paraná, recebeu o Título de Cidadão Piracicabano por sua atuação na Secretaria de Saúde da cidade e a relevância de seu trabalho no período da pandemia da Covid-19.

Dias desses, minha amiga e ex-colega de JP, Valéria Rodrigues, natural de São José dos Campos, que atuou com muito profissionalismo em sua carreira na redação do jornal e, depois, na comunicação da Câmara de Vereadores, também recebeu o título.

E não apenas brasileiros já receberam a honraria piracicabana. Natural de Potsdam, na Alemanha, o maestro Knut Andreas, diretor artístico e regente titular da OSP (Orquestra Sinfônica de Piracicaba) também se tornou cidadão piracicabano em 2023.

Bem antes, Ernst Mahle, o também maestro alemão radicado em Piracicaba, ganhou o título em 1965. Ambos tiveram e têm papel fundamental na história cultural do município.

Afinal, é sobre isso que a resolução da Câmara, que dispõe sobre as normas e procedimentos para dar o Título Honorífico de “Cidadão Piracicabano” a uma pessoa, diz.

Entre outros pontos, é preciso ter “se destacado por méritos individuais” em diversas áreas como artes, ciências, letras, saúde, educação, desporto, assistência social, em atos de bravura, com risco da própria vida, entre outros.

A concessão do título, porém, nem sempre faz jus ao que a resolução propõe. Arrisco dizer que, na maioria das vezes, o Título de Cidadão é apenas uma isca para a promoção própria dos legisladores municipais.

O mais recente vexame nesta questão foi visto recentemente, com Jair Bolsonaro recebendo o Título de Cidadão Piracicabano por zero contribuição à cidade.

Não há justifica plausível para que o ex-presidente e atual indiciado pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informações e réu por incitação ao crime de estupro tenha recebido tal honraria.

É até mesmo irônico saber que o vereador Laércio Trevisan Jr. (PL), autor do projeto, tentou justificar que o envio de recursos para combater a pandemia da Covid-19 -- que notadamente o próprio ex-presidente tanto negou e minimizou, colocando-se contra vacinas, máscaras e isolamento -- faria dele um “Cidadão Piracicabano”.

Pior é saber que apenas dois vereadores foram contrários à ideia!

Eu me pergunto quantas vezes o senhor Bolsonaro pisou em Piracicaba, sem ser para fazer campanha política, e se ele ao menos sabia o valor que o Ministério da Saúde enviou à cidade na época da pandemia, algo que, teoricamente, não seria mais do que a obrigação do ex-(des)governo.

Bolsonaro foi a Piracicaba fazer o que mais sabe fazer: um comício, em clara campanha política para seu pupilo nas eleições municipais diante de uma plateia devidamente doutrinada.

Triste ver nosso “Título de Cidadão Piracicabano” ser jogado no lixo, mais uma vez.

Há 11 anos, em 2013, o querido colega escritor e jornalista Cecílio Elias Netto já dizia sobre a instrumentalização do título a objetivos meramente políticos. Ele assinou uma coluna em seu sempre necessário jornal A Província, onde fala sobre “as injustiças dolorosas na concessão de títulos de cidadania piracicabana”.

“A cidadania não é concessão (...) ‘Ser piracicabano’, portanto, é uma escolha, opção de vida. Os que para cá vêm e participam desse amor e desse estado de espírito nos honram e nos engrandecem. Eles ‘são’ piracicabanos, sem que a grande maioria deles porte ‘título de cidadania’”.

Assino embaixo!

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