A Câmara de Piracicaba divulgou nesta sexta-feira (8), documentos que retratam a história de um tribunal do Júri, realizado em Piracicaba, no dia 21 de janeiro de 1867. Há 157 anos, uma mulher, escravizada, conhecida apenas como Benedicta, foi julgada por um suposto crime que teria cometido à época: o assassinato dos três filhos, cometido após tentar fugir de uma fazenda da então Vila da Constituição. Os relatos de uma pessoa, privada de voz e liberdade, foram resgatados nos arquivos e revelam uma história comovente. No Dia da Mulher, a história dá voz a uma pessoa que, à época, foi ouvida, mas não compreendida. A divulgação dos arquivos faz parte da série “Achados da História” da Câmara de Piracicaba.
Segundo os relatos encontrados, Benedicta teria sido denunciada à época por ter supostamente assassinado os três filhos - uma menina e dois meninos. O exame de corpo de delito, que já existia à época, constatou ferimentos na nuca das três crianças, o suficiente para levar Benedicta para a cadeia. “Recebi e fica recolhida a prisão a parda Benedicta, escrava de João Leite Ferraz de Sampaio. Constituição, 21 de janeiro de 1867. Antônio João Pires, o carcereiro”, cita o documento divulgado.
Grande parte dos documentos daquele período trazem apenas registros, citações ou pequenos versos de pessoas que não tinham direito a voz e nem mesmo ao sobrenome, feitos pelas mãos, e pelas palavras, de terceiros. Mas, desta vez, é um pouco diferente, pois é possível ler o relato da acusada. A mulher passou por questionamentos sobre a origem. Benedicta declarou que nasceu em Limeira e que era escrava de João Leite Ferraz de Sampaio, tinha 24 anos, era casada e sua mãe chamava-se Genuína, e era liberta.
Quanto ao pai: “incógnito”, assim declararam. Ela poderia mentir, ela poderia inventar mil e um motivos para se esquivar das perguntas e dos castigos, mas não o fez. Questionada sobre o motivo da prisão, Benedicta citou que “que veio do sítio de seu senhor, dirigiu-se a casa de Antônio Franco, seu padrasto, contou ao seu referido padrasto que tinha assassinado seus três filhos de nome Barbara, Jeronimo e Joaquim”, citam os documentos. Antônio Franco aconselhou a enteada a se entregar, e assim ela fez. Segundo os documentos, a mulher fugiu e capturada novamente por um homem chamado Zeferino. De volta a fazenda, foi “perdoada” pelo patrão, mas foi punida com o uso da palmatória - objeto similar a uma colher de pau, usado para bater na mão dos escravos como forma de punição.
Dias depois, Benedicta tentou fugir novamente, mas dessa vez, levou as três crianças com ela. Em um canavial, desferiu golpes de porrete na nuca das crianças. Nos documentos da época, é citado que o senhor de Benedicta, chamado João Leite Ferraz de Sampaio prestou depoimento, e afirmou que a mulher matou as crianças por ter um “mal gênio”, e que não tinha consciência dos atos. Outras testemunhas também prestaram depoimento. Entre elas, feitores da fazenda de João Leite Ferraz de Sampaio e outros escravizados.
As versões das testemunhas citam que Benedicta teria matado as crianças não só por ter “mal gênio”, mas, também, por ter tido problemas no parto e que fazia dois dias que se recusava a se alimentar. Outras testemunhas - que depuseram em favor da ré - afirmaram que ela teria cometido o crime pois teve um surto, causado pelas constantes ameaças que sofria na fazenda. O oficial de Justiça da época citou que Benedicta confessou os assassinatos e que ela teria cometido o crime porque a filha dos fazendeiros teria espalhado boatos de que ela tinha casos amorosos com os funcionários da fazenda.
Benedicta confessou ter matado os filhos porque “temia por si e pelos filhos, como fugir era impossível, resolveu findar a prole”, cita o texto da série Achados do Arquivo. “A morte, para muitos escravizados, era a única saída. Durante todo o julgamento, ela foi ouvida, mas não compreendida”, completou.
Ao final dos depoimentos, a pena de Benedicta começou a ser desenhada. Segundo os documentos da época, ela não foi condenada a morte pois estava grávida quando foi presa, e deu à luz uma menina, que nasceu na cadeia. Por conta disso, o júri, formado por 48 homens brancos, definiu que Benedicta fosse condenada à pena de 300 chibatadas, além de ter que passar três anos com um acessório de tortura, feito de metal, preso ao pescoço. Não se sabe se Benedicta sobreviveu às chibatadas ou ao uso do objeto de tortura citado.
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