NETO GONÇALVES

Ex-goleiro vira campeão de jiu-jitsu: ‘Nunca imaginei tudo isso’

Após chegar ao topo da Europa, agora ele já voltou ao batente para um objetivo ainda maior: conquistar o Mundial, que será realizado no mês de agosto, em Las Vegas, nos EUA

Por Erivan Monteiro | 01/03/2024 | Tempo de leitura: 10 min
erivan.monteiro@pjornal.com.br

Will Baldine/JP

Neto Gonçalves conquistou o Campeonato Europeu no mês passado
Neto Gonçalves conquistou o Campeonato Europeu no mês passado

O atleta João José Gonçalves Neto, mais conhecido como Neto Gonçalves, 41 anos, sonhou ser um goleiro de time grande e fazer uma carreira de muito sucesso embaixo das traves. Até chegou ao profissionalismo, no Marília, o famoso MAC, tradicional clube da cidade do mesmo nome, onde nasceu. Mas foi em outra modalidade, o jiu-jitsu, que veio a consagração, com títulos e sucesso em uma carreira bem-sucedida neste esporte tipicamente brasileiro. O jiu-jitsu, porém, entrou em sua vida um pouco tarde, somente aos 35 anos, após convite de um de seus filhos, que o levou para a academia. Daí não parou mais. Foi empilhando medalhas em campeonatos regionais, estaduais e nacionais; e a consagração veio em janeiro, com o título do Campeonato Europeu de Jiu-Jitsu, em Paris, na França, quando trouxe para Piracicaba duas medalhas de ouro: no peso (de 95 kg até 100,5 kg) e no absoluto (sem limites de peso). Pai de Juliany, 22; dos gêmeos Matheus e João Victor, 21; e de Lucas, 11; e casado com Fernanda Ferreira Gonçalves, Neto Gonçalves saiu de Marília, em 2018, para fazer toda a sua base do jiu-jitsu em Piracicaba, saindo da faixa Branca e chegando à Marrom, um degrau antes da Preta. Já trabalhava como representante comercial por aqui e, quando começou a ver futuro nas artes marciais, trouxe toda a família para a Noiva da Colina. “Agora, somos todos piracicabanos!”, sentencia. Após chegar ao topo da Europa, agora ele já voltou ao batente para um objetivo ainda maior: conquistar o Mundial, que será realizado no mês de agosto, em Las Vegas, nos EUA. Alguém duvida? Ele não: “Eu abri mão de muita coisa por um propósito; aprendi isso com 40 anos de idade”. Veja a entrevista completa abaixo:

Como foi sua aventura no esporte? Eu venho do futebol. Achava que só sabia jogar futebol. Desde moleque, tentei a vida profissionalmente no futebol. Joguei bola até 2005, e depois só no amador mesmo, em Marília, em minha cidade. Joguei no MAC, nas categorias de base e também no profissional, mas não cheguei a jogar, mas fiquei como terceiro goleiro, reserva, em uma fase bacana do Marília, quando estava na primeira divisão. E, por esse laço no futebol, um dos meus filhos, o João Victor, foi jogar no Novorizontino, entre 2017 e 2018. Em janeiro de 2018, o outro meu filho, o Matheus, falou: ‘pai, você vai todo final de semana assistir ao João Victor e você fica com ele e tal’... Eu costumo dizer que o Matheus tem duas pernas esquerdas (risos); não sabe jogar bola. Por isso, ele foi para o jiu-jitsu. Ele lutou por alguns meses e me disse: ‘pai, eu estou indo para o jiu-jitsu sozinho, gostaria que você fosse comigo para ter esse tempo comigo’. Até então, era ‘zero’ de jiu-jitsu. Tudo começou assim, em 2018.

A partir daí, você começou a praticar o esporte? Depois de meu filho pedir, eu disse: ‘vou lá treinar com você’. Eu tinha, na época, 35 anos. Foi tudo muito tardio. Comecei a treinar com ele no carnaval de 2018; são seis anos. Eu trabalho aqui em Piracicaba (representante comercial) há 15 anos e ficava indo e voltando todos os finais de semana, de Marília para Piracicaba.  E como no carnaval eu tinha um leque maior de dias para ficar, foi ali que eu comecei. E aí não parei mais de treinar. Me mudei para cá, visitei algumas academias e acabei conhecendo o professor Flávio Junqueira, que me fez o convite para vim para cá (Alliance Academia). Então, quando vim para Piracicaba, eu tinha quase um ano de jiu-jitsu. Então, falo que a minha base e tudo o que eu sei foi feito aqui.

Para você, foi uma surpresa ser um campeão no jiu-jitsu? Eu falo assim: tudo que estou vivendo, eu sempre almejei e sonhava no futebol. Nunca imaginei tudo isso em uma outra modalidade, ainda mais em uma arte marcial. As coisas começaram a acontecer muito rápido. Acho que trouxe esse laço de competitividade do futebol para jiu-jitsu. Com quatro meses, fui campeão na (faixa) branca. Depois, entrou a pandemia. Logo depois que liberou da pandemia, eu fui com a azul vice-campeão; e na roxa, o trabalho já estava um pouco mais afiado e, em 2023, praticamente todos os campeonatos eu ganhei. Foram 10 ao longo do ano. Desses, seu eu desse vacilo no peso, era campeão no absoluto; se não ganhasse no absoluto, eu era campeão no peso, em uns quatro ou cinco, eu levei no peso e no absoluto.

Você sempre compete nos dois (peso e absoluto)? Explica para gente como funciona isso nos campeonatos de jiu-jitsu? O que muda é assim: no peso, eu luto no superpesado (de 95 kg até 100,5 kg). Eu tenho de pegar pódio, primeiro, segundo ou terceiro. Aí, me dá credencial para eu competir no absoluto, que são todos os pesos. Então, luto com adversário com 120 quilos ou com adversários com 60 quilos. Vai misturando tudo. É bem competitivo. É uma ‘caixinha de surpresas’ por que nem sempre por eu ser um cara grande, nem sempre é o maior que me dá mais dificuldade. Às vezes, um adversário menor, muito mais ágil, me dá mais dificuldades do que um maior.

E seu filho, que foi quem praticamente o levou para o jiu-jitsu, segue no esporte? O João Victor ele acabou parando com o futebol e também veio para o jiu-jitsu. É faixa azul e treina aqui com a gente. E o Matheus está nesse processo comigo há seis anos; ele é faixa roxa e um dos instrutores aqui da academia. Ele cuida das crianças em vários dias da semana.

Então, a família toda veio para Piracicaba para treinar jiu-jitsu? A família toda vive o jiu-jitsu. Meu filho passou em um concurso público aqui; o outro está me ajudando; o menor está estudando. Enfim, todos estão aqui. Viramos piracicabanos!

Infelizmente, o jiu-jitsu não é um esporte profissional, como o futebol. Assim, como é a sua rotina entre os treinos e o trabalho? É complicado, mas é como o professor falou: se você tiver doutrina, foco e colocar prioridades, a gente vai conseguir se planejar. Mas eu falo para você que não é fácil. A gente trabalha durante o dia e acabo treinando musculação bem cedo, por volta das 7h, e quando às vezes tem algum vacilo de alguns clientes, um intervalo, eu acabo treinando às 11h, esporadicamente neste horário. Eu treino à noite, duas ou três vezes, das 18h às 19h; das 19h às 20h e das 20h às 21h. Uma hora por treino todos os dias. Dia de sábado, a gente treina na parte da manhã e descanso no domingo – isso quando não tem competição. O meu professor brinca assim: se eu quero ter uma vida sadia, eu posso treinar de uma a duas vezes por semana; se eu quero ganhar um campeonato regional, eu treino três vezes por semana; se eu quero ser campeão nacional, eu já tenho de treinar todos os dias. Conforme vai subindo o grau, você tem de se dedicar mais; não tem como ter um resultado bacana sem treino.

Você começou com 35 anos. Acha que vai até que idade participando de competições? Eu vi uma cena do Europeu (Campeonato Europeu, na França): dois senhores de 82 anos lutando. Chamou mais atenção que os adultos. E tinham oito competidores na chave dele; às vezes no adulto não tem esse número. Então, eu falo que vou até quando aguentar. Tudo o que eu estou vivendo é o que mantém motivado para o amanhã, motivado para treinar, motivado para ter uma vida sadia. E as competições são sempre por idade. Eu luto de 35 a 40 e como esse ano eu faço 41 anos, eu luto de 41 a 45.

E como foi a competição em Paris, competição que o consagrou com duas medalhas de ouro... Esse é o Campeonato Europeu e é um dos mais concorridos, por quê? Por causa do visto nos EUA. Então, muita gente acaba não indo para os Estados Unidos e acaba indo para a Europa. Isso começou tudo no sonho. Sobre a área financeira, eu não tinha a verba para fazer essa viagem. Então, deixei a vergonha de lado e fiz uma ‘vaquinha’: eu tive uma ajuda de quase 100 pessoas e mais os patrocínios do meu quimono. Em 45 dias, eu tinha quitado a passagem e feito a inscrição. Fomos para lá quatro dias antes da competição e fiz um campeonato que nunca tinha feito. Eu sou o líder do ranking brasileiro e da IBJJF, que a internacional. Então, tudo estava para o meu lado, mas não que eu teria vida fácil. Na primeira luta, peguei o antigo campeão europeu sem quimono. Foi pedreira, mas depois que eu ganhei essa luta, eu falei: ‘agora, ninguém me segura’. E foi isso que aconteceu. Ganhei a categoria e acabei finalizando todas as lutas no absoluto. Fui para ganhar uma e acabei ganhando duas. Foram sete lutas, três no peso e quatro no absoluto.

O jiu-jitsu brasileiro é o melhor do mundo mesmo? É o melhor do mundo. Isso nasceu aqui no Brasil, então os melhores estão aqui. Só que o americano, o francês e o italiano estão vindo muito fortes na parte de profissionalismo do esporte. [Nota da Redação: Acredita-se que as raízes do jiu-jítsu tenham vindo do Japão, como acontece com a maioria das artes marciais, mas foi no Brasil que essa luta ganhou a forma como é conhecida hoje].

O jiu-jitsu não é um esporte olímpico. Existe algum movimento de federações e confederações para mudar isso? O problema é que, lá atrás, o jiu-jitsu era meio marginalizado, uma coisa de ‘bad boys’, dos caras que brigavam na rua. Com o tempo, isso foi mudando. Mas como não é um esporte olímpico muito jiujiteiro está indo para o lado do MMA, onde você tem uma estabilidade financeira para você bancar sua casa. Mas não tem nenhum movimento neste sentido (para ser esporte olímpico).

E o que vem pela frente ainda neste ano? Eu devo lutar mais um campeonato porque abril tem Brasileiro e depois devo lutar o Sul-Americano e o Mundial em Las Vegas (EUA), no final de agosto. Já dei entrada nos papéis do visto e quero muito ir para lá. Para ganhar todos os campeonatos que têm faltam o Mundial e o Pan-Americano. Então, neste ano eu devo ir para o Mundial e no ano que vem, devo ir ao Pan.

Para terminar, qual a mensagem que você pode deixar para as pessoas que, muitas vezes, chegam a uma certa idade e acham que não têm mais nada a fazer? Eu até brinco com amigos: que o esporte muda vidas; o esporte para a criança é fundamental; para um adolescente; e para um homem da minha idade. Às vezes, eu estava jogando futebol e pensando no boleto que tinha de pagar. E eu tinha de achar alguma coisa que me tirasse desse estresse. E eu encontrei no jiu-jitsu. Muitas pessoas podem encontrar em outros esportes ou em outra situação, mas no meu caso foi o jiu-jitsu. Então, uma coisa eu posso falar para todo mundo: procure um esporte! Procure alguma coisa para fazer que você ame! Eu não vou para o esporte, mas eu amo ler, eu amo pescar... Procure alguma coisa que dê prazer para você seguir em frente. Se a gente não tiver objetivos, a gente está fazendo o quê? Jogando o tempo fora; jogando a vida fora. Algo que você goste tem de ser feito.

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