ARTIGO

Do tempo do Onça...

Por Cecílio Elias Netto | 27/02/2024 | Tempo de leitura: 3 min

E, então, ao correr do texto, eis que o escrevinhador rabiscou em relação ao personagem: “Deu-lhe na telha”. Quase instantaneamente, foi advertido por si mesmo: “Dar na telha? Ninguém vai entender. Isso é do tempo do Onça...” E, com tal expressão, sentiu-se mortificado. Ora, quem saberia, ainda, o tal Onça ter sido governador carioca lá pelo século XVIII? Instalou-se o conflito.

Línguas também morrem. Entre elas, o grego e o egípcio antigos, o latim que não mais se falam. Mas que são fundamentais para entender a origem de algumas das que sobrevivem. Ah! as palavras. Quanta riqueza e quanta complicação! E as interpretações, o entendimento do interlocutor? Pode-se falar cobra e o outro entender lagarto. Alguém fala isso e o interlocutor entende aquilo.

Lamento, ainda hoje, uma relação afetiva que começou a se perder devido a uma única palavra. Numa conversa amistosa, falei que a mulher, no meu entender, não tinha talento para tratar com adolescentes. E ela enlouqueceu, dizendo que eu a chamara de irresponsável. Argumentei não se tratar de competência, de responsabilidade. Talento é dom, que cada um de nós tem seus próprios. De nada adiantou.

A realidade é que – para os profissionais de comunicação mais antigos – o desafio é grande. Pois fica cada vez mais difícil conciliar o uso de certas palavras e expressões consagradas com as transformações naturais da própria língua. Por exemplo: quem, dos moços, atualmente, iria entender que eu não estou sabendo patavina do que está acontecendo? Que não entendo pataca disso tudo?

Ora, há que se admitir: “antes burro vivo do que sábio morto”. Mesmo porque “não sou mineiro e não compro bondes” e há momentos em que “não se pode ter papas na língua”. Se, porém, o dito ou o escrito causar confusão, não adianta “chorar a morte da bezerra”, ora, bolas. Há situações em que o comunicador social tem que responder pela ousadia e enfrentar o velho provérbio: “a rico não devas, a pobre não prometas”. São coisas do “arco da velha” que, no entanto, podem ser “onde está o busílis”. E não adianta, depois de feito o estrago, “arrotar fumaças”.

Há, pois, que se reconhecer a dificuldade de convivência social. Alguns “nascem empelicados”, em “berço de ouro”. Outros, porém, são de tal forma ignorados que parecem “não valer um caracol”. Muitos pensam ser um destino e, por isso, não têm dúvidas: “pau que nasce torto, não endireita”. Ou “morre torto”. Talvez, por isso, haja aqueles que “têm topete” e outros que são “pintas bravas”.

Portanto, como escrever? Como, quando, para quem? As maravilhas da era dialógica trazem-nos, também, grandes complexidades. O diálogo buscado e prometido está longe de ser realizado. O ambicionado encontro de e entre sujeitos continua utópico. Confundem-se a boa e a má informação e acaba-se por estar desinformado. E lá, naqueles tempos passados, o povo já sabia: “ouvir cantar o galo sem saber onde”. Há galos demais cantando em terreiros alheios. E o resultado é que o povo “paga como o holandês, pelo mal que não fez”.

Dúvidas, dúvidas, pois. No cerne das coisas – como se muito delas fosse irremediável – permanecem disparidades aparentemente insolúveis. Lá nos diziam os ancestrais machistas: “onde há galo, não canta a galinha”. E as eternas feministas já respondiam: “onde há galinha, não canta o galo.” Há quem tente harmonizar tais pretensões. Segundo a experiência de nossos ancestrais, inútil e tolo seria esse intuito. Pois “lé com lé, cré com cré”.

Por fim, se alguém me xingar por tais lembranças, que saiba: “praga de urubu não mata cavalo velho”.

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