ARTIGO

Jornalistas escrevem com as mãos?

Por Edson Rontani Júnior | 26/02/2024 | Tempo de leitura: 4 min

Recordo-me de quando ainda cursava a graduação em jornalismo. Fiz, na ocasião, um trabalho referente às reações dos órgãos de repressão no Brasil durante os anos 1970. Um dos estudos apontava para um jornalista que teve quebrados os dedos das mãos por ter publicado uma matéria contra os interesses da ditadura. Seria uma lição para que ele nunca mais se prostrasse diante de uma máquina de escrever e dedilhasse sua ferocidade crítica em novas matérias. No dia seguinte, o mesmo jornal publicou uma matéria na capa de autoria do próprio jornalista com o título : “Será que eles pensam que jornalista escreve com as mãos?”.

A manifestação do editor torna claro que os dedos do jornalista servem como extensão do cérebro, o centro do pensamento humano. Que o diga a ciência a qual criou tecnologia para pessoas acamadas se comunicarem com o movimento das pálpebras ou de músculos faciais. Ou, ainda, Stephen Hawking, físico britânico, acometido por esclerose amiotrófica, viveu por décadas preso à uma cadeira de rodas, que escrevia livros, através de óculos infravermelhos e, pela movimentação de certos músculos da face, conseguiu ordenar letra ou palavra para se expressar. Se entrarmos no campo da Inteligência Artificial ... haverá “pano para a manga”.

Desde que lançada comercialmente nos anos 90, a internet tornou-se uma nova forma de comunicação. Não é considerada confiável, a exemplo do jornal ou da televisão. Mas, é democrática. É a forma mais atual contra a opressão. Antigamente, perseguia-se aquele que falasse demais, hoje, tira-se o cabo da parede e perde-se contato com o mundo. Que o diga Julian Assange, criador do WikiLeakis.

E já que abordei a arcaica máquina de escrever, recentemente, me deparei com um equipamento, que em muito participou de minha vida, o qual pensei estar legado ao passado. Numa seção pública encontro uma máquina de escrever sobre uma bancada. Por incrível que possa parecer, ela estava acorrentada ao apoio da bancada. Pensei comigo que, por ser peça de museu, pudesse ser cortejada pelo amigo do alheio ou, quem sabe, já possua um valor inestimável que faça crescer os olhos diante de tal preciosidade composta por metais e plástico.

Noutro dia, visitei um despachante e notei máquinas de escrever lançadas ao longo de um extenso balcão. Bom … a partir daí, mudei meu conceito. As máquinas de escrever ainda fazem parte de nossas vidas!

Ao longo do século passado, as máquinas de escrever eram essenciais não apenas no mundo corporativo, como também nas correspondências, nos acordos comerciais, nos trabalhos escolares na intenção de substituir o manuscrito e dar um toque sofisticado aos documentos.

Confesso que faço parte de uma geração que ser orgulhava em ganhar uma máquina de escrever de presente no Natal. Saber datilografia era um passo para reconhecimento profissional. Era exigência de mercado. Diploma de datilografia e carteira de habilitação eram passaportes para iniciar uma profissão.

Quando a informática começou a tomar volume, nos anos 1990, a máquina de escrever foi perdendo espaço para os desktops, scanners e impressoras. A máquina de escrever podia ter a habilidade de uma impressora com a utilização do papel carbono (daí o CC – cópia carbono – dos e-mails), sem a possibilidade de corrigir o que se escrevesse errado. O surgimento do corretivo foi uma dádiva aos datilógrafos que não tinham de digitar, digo, datilografar tudo de novo.

À máquina remete qualquer um ao cheiro de graxa, aos dedos sujos por trocar sua fita vermelha e preta e aos palavrões quando os caracteres enroscavam. Aliás, o modelo qwert é um padrão que precisa ser repensado. As teclas da máquina de escrever não seguiam a ordenação alfabética pois quando se datilografava, o mecanismo iria proporcionar homéricas enroscadas dos tipos. Aí criou-se este sistema, hoje propagado como qwerty (com Y ao final), nulo quando digitamos com os polegares nos smartphones.

Aliás, a máquina teve influência do padre brasileiro Francisco João de Azevedo, que a apresentou em 1861. A história relega o invento ao exterior, onde foi patenteado primeiro. Algo como ocorreu com os irmãos Wright e Santos Dumont na criação do avião.

Como peça de museu, uma notícia que remonta à nostalgia. A máquina de escrever volta inclusive a fazer parte do serviço secreto de vários países europeus. Depois do vazamento das informações pelo Wikileaks, Rússia, Índia e Alemanha gastaram fortunas para comprar as máquinas de escrever para seus agentes. Acreditam que o mundo off line é mais seguro que a aldeia globalizada perpetuada por George Orwell e Marshall McLhuan.

Isso me faz sentir mais moderno e pouco antiquado ....

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