CIÊNCIA E PESQUISA

'Nossos pesquisadores são herois': professor da Esalq fala sobre a ciência brasileira

Por Roberto Gardinalli | roberto.gardinalli@jpjornal.com.br
| Tempo de leitura: 8 min
Divulgação/Esalq

Engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Viçosa (MG), com mestrado pela Esalq, o professor Evaldo Ferreira Vilela assumiu, no último dia 10 de janeiro, a presidência da ABCA (Academia Brasileira de Ciência Agronômica). Ocupante da cadeira 39 da Academia, Vilela dedicou uma vida à ciência. Não só na sua área de atuação no meio das ciências agronômicas, mas também no desenvolvimento da pesquisa e educação no Brasil “A ABCA tem, assim, o papel de reunir e estimular os Engenheiros Agrônomos a produzirem ciência e levar os resultados ao campo para beneficiar a sociedade, em termos de bem-estar e qualidade de vida”.

Foi reitor da Universidade Federal de Viçosa e presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Com sua experiência, afirma que os avanços da pesquisa brasileira proporcionaram melhorias na vida da população, dentro e fora do país. “A ciência brasileira se desenvolveu e se desenvolve graças ao talento e a resiliência de nossos pesquisadores, verdadeiros heróis”, diz.

Hoje, Vilela é, também, titular da Cátedra Luiz de Queiroz, onde tem contribuído para avanços no combate às pragas agrícolas. “Os estudos da Cátedra “Luiz de Queiroz” se concentraram no controle de pragas da agricultura, com a missão de elaborar uma estratégia para a transição do método atual”, afirmou. Veja os principais trechos da entrevista do professor Evaldo Ferreira Vilela ao JP.

O senhor foi escolhido como novo presidente da ABCA (Academia Brasileira de Ciência Agronômica). Gostaria que explicasse um pouco sobre a Associação, como é a atuação dela e qual a importância dela para a pesquisa brasileira nessa área.
Trata-se na verdade de uma Academia de Ciência, a Academia Brasileira de Ciência Agronômica, que reúne pesquisadores com formação em Agronomia. Somos Engenheiros Agrônomos dedicados à pesquisa científica e tecnológica relacionada à agricultura, ou seja, atuamos nas descobertas de novos conhecimentos e tecnologias e sua implementação na produção de alimentos, fibras para confecções etc. e agroenergias, com o diferencial de que fazemos tudo isto atuando nos trópicos. Antes, a agricultura intensiva existia apenas nas regiões temperadas. Foi a contribuição das ciência agronômica brasileira que possibilitou a criação da Agricultura Tropical Sustentável, de enorme valor para a Segurança Alimentar brasileira e mundial. Sem dúvida, a agricultura nos trópicos foi uma das maiores invenções brasileiras de todos os tempos. A ABCA tem, assim, o papel de reunir e estimular os Engenheiros Agrônomos a produzirem ciência e levar os resultados ao campo para beneficiar a sociedade, em termos de bem-estar e qualidade de vida. Para isto, ela conduz projetos de desenvolvimento regional, visando orientar e influenciar na busca de solução para grandes desafios nacionais.

Como foi, para o senhor, ser o eleito para a presidência da ABCA? Conte um pouco da sua trajetória na ABCA e quais são seus objetivos à frente da Academia.
Como Engenheiro Agrônomo formado pela Universidade Federal de Viçosa e Mestre pela ESALQ/USP, sempre atuei como pesquisador, professor e gestor público nos temas da Ciência, Tecnologia e Inovação, particularmente de interesse para os avanços da agricultura brasileira. Isto me aproximou, como discípulo, do memorável Eng. Agrônomo e ex-Ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, assim como do igualmente notável Eng. Agrônomo e ex-Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Trabalhando sob a inspiração deles, cheguei à Presidência da ABCA, com muita honra e com o dever de, como seus sucessores na ABCA, dar o melhor de mim para, junto com os acadêmicos e colegas da Diretoria, levarmos adiante a Academia com seu papel primordial de orientar as pesquisas que interessam ao país, nas vertentes dos negócios, da preservação do meio ambiente e da saúde da população.

Além de ser membro da ABCA, o senhor tem em seu currículo passagens importantes para a educação superior e pesquisa brasileira, como reitor da Universidade Federal de Viçosa (MG), além de presidir, em 2020, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), por exemplo. Como o senhor avalia a situação do desenvolvimento da ciência no Brasil atualmente? Acredita que o país tem entregado trabalhos relevantes a nível mundial?
A ciência brasileira tem entregue novos conhecimentos, tecnologias e novos métodos para o país e para o mundo, como, por exemplo, acontece na produção de alimentos, fibras de algodão e etanol, que é energia pura renovável. Basta ver que as exportações agrícolas pagaram a dívida externa brasileira, um grande incômodo para o país, do qual não se fala mais! E essas exportações geram riquezas que garantem o PIB do Brasil. Graças ao agro, nossa gente tem a proteína animal mais barata do mundo, o frango brasileiro! Tudo isto graças a ciência brasileira que, infelizmente, nunca contou com o necessário fluxo de recursos para suas pesquisas. A ciência brasileira se desenvolveu e se desenvolve graças ao talento e a resiliência de nossos pesquisadores, verdadeiros heróis. A saúde é outra área onde temos grupos de pesquisa de renome internacional, produzindo conhecimento sobre doenças e suas curas, com relevância mundial. E assim é com todas as demais áreas do conhecimento, lembrando ainda o quanto fazemos na capacitação de jovens talentos pesquisadores, cobiçados mundo afora. O desafio é ampliar o desenvolvimento científico e tecnológico no país como base para o crescimento da inovação e dos negócios inovadores no país, com os reflexos positivos na economia e, consequentemente na geração de empregos e renda para os brasileiros. Como fizeram outros países, precisamos de uma decisão firme dos governos por uma agenda, um plano de crescimento com base no conhecimento, o que impulsionaria a ciência, a tecnologia e a inovação junto às empresas inovadoras. Precisamos ter essa vontade!

Com relação à pesquisa científica brasileira na sua área de atuação, como vê a situação do Brasil em relação a outros países? Como vê a participação da região de Piracicaba neste segmento de pesquisa?
A excelente ciência produzida nos trópicos pelo Brasil não tem recebido o reconhecimento que tem ciência dos países ricos, das regiões temperadas do globo, por puro preconceito, alimentado pelo colonialismo econômico. Reconhecer novos conhecimentos científicos por brasileiros pode não ser bom para quem tem nas mãos o comércio internacional. E no mais padecemos também do complexo de que o que vem do estrangeiro é melhor do que nosso! No geral, por exemplo, no geral, nossos pesquisadores da ESALQ são tão bons, ou até melhores, do que muitos estrangeiros. Mas sofrem com a falta de apoio e com a desconfiança, por exemplo, dos órgãos de controle no uso dos recursos financeiros dos projetos. A pesquisa é sempre sobre o que não se conhece, o que impossibilita o planejamento das compras dos insumos para o dia-a-dia da pesquisa, mas isso não é reconhecido e são submetidos às leis de licitações de todo mundo, tornando-os suspeitos e sujeitos a processos administrativos. Dificuldades burocráticas como estas os cientistas americanos e europeus nem conhecem! Pelo que a ESALQ e as instituições de pesquisa da região de Piracicaba fazem pelo agronegócio, pela saúde, etc., elas são um orgulho para todos nós brasileiros!

O senhor tomou posse como Quarto Titular da Cátedra Luiz de Queiroz em junho de 2022, e desenvolveu, na Cátedra, o tema “Transição da revolução verde para uma agricultura sustentável: o papel da ciência e da tecnologia, engajamento da sociedade e políticas públicas”. Gostaria que falasse um pouco sobre o que é esse tema e como essa pesquisa desenvolvida na ESALQ é importante para a sociedade atual.
Agradeço muito pela oportunidade de falar sobre o projeto atual da Cátedra “Luiz de Queiróz” no Jornal de Piracicaba, pois o papel da Cátedra é estudar e popularizar o avanço do conhecimento cientifico empregado na construção de um futuro melhor para todos os brasileiros. Por sugestão da nossa Diretora da ESALQ/USP, Profa. Thaís Vieira, os estudos da Cátedra “Luiz de Queiroz” se concentraram no controle de pragas da agricultura, com a missão de elaborar uma estratégia para a transição do método atual, que usa defensivos agrícolas, para métodos biológicos, como o controle biológico, numa concepção de consolidação do Manejo Integrado de Pragas como fator de maior sustentabilidade no processo de produção agrícola. Para isto, uma Conferência acontecerá na ESALQ nos dias 11 e 12 de março próximo reunido cientistas, empresários, produtores, jornalistas e outros especialistas para elaborar as estratégias orientadoras para um futuro mais sustentável para a produção agrícola. É preciso  gerar mais impacto positivo para a economia, o meio ambiente, a saúde da população e os negócios inovadores. Esse projeto recebeu a aprovação unânime da Egrégia Congregação da ESALQ/USP, contado com o prestígio do Departamento de Entomologia e Acarologia, que há muito tem gerado com novas tecnologias para o controle de pragas, em parceria com empresas da área.

Por fim, baseado nas pesquisas e em sua experiência, como acredita que será o futuro da agricultura brasileira, tendo em vista que o país é uma das principais referências mundiais desse setor?
A agricultura brasileira é pujante e tem um futuro garantido pela fortaleza da sua ciência agronômica, com a ESALQ, a EMBRAPA, as Universidades Federal de Viçosa, de Lavras, os Institutos Federais e outras instituições focadas em ciência, tecnologia e inovação para a agricultura. Obviamente, conta muito ainda a força do empreendedorismo do produtor rural brasileiro, do sistema de cooperativas agrícolas, que é uma pérola brasileira para o desenvolvimento social e econômico do país. Os desafios, que são vários, são equacionais com esforço e tempo. Merece maior atenção, atualmente, a ampliação da sustentabilidade da cadeia produtivo do agronegócio frente às mudanças climáticas. Para contribuir neste sentido a ESALQ conta hoje com dois Centros criados pela Reitoria da USP, com a determinação de um deles, o Centro de Carbono buscar soluções para a descarbonizarão da agricultura tropical mais sustentável, e o outro, o Centro da Agricultura Tropical Sustentável, para tratar da sustentabilidade do processo de produção dos plantios. Ambos entregues a lideranças da ciência brasileira em suas áreas. O outro desafio, de solução mais difícil, é tornar o agro brasileiro um projeto de todos os brasileiros, o que é importante para frear as injustas críticas que recebe dos próprios brasileiros e que muito prejudica na negociação comercial com os países compradores. Importantíssimo um diálogo com a sociedade no sentido de apurar verdades e preconceitos.

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