ARTIGO

A figura singular de Paulo Rónai

Por Armando Alexandre dos Santos |
| Tempo de leitura: 4 min

Quando entro em bibliotecas ou sebos, às vezes fico me perguntando se, na sua maior parte, aqueles volumes, ali depositados não conservam intacta sua “virgindade”, jamais tendo sido lidos por leitores em qualquer tempo ou lugar.

De fato, quanta e quanta coisa se escreve e se pública e logo, logo, logo, é sepultada no esquecimento! Todo autor, especialmente iniciante, tem esperança de virar best-seller, de conquistar fama, glória, prêmios... E quase todos os autores acabam se resignando à triste sina dos literatos fracassados, sem fama, sem glória, sem prêmios e, o que é pior, muitas vezes com prejuízos econômicos.

Não me consta que tenham sido feitas estatísticas de quantos, dos muitos milhares de lançamentos que, ano a ano, faz nosso mercado editorial, chegam a render alguns suados tostões aos seus laboriosos autores. Mas creio que é uma porcentagem mínima! A seleção natural do mercado livreiro é dura, é cruel, é inclemente.

Recordo que certa ocasião, conversando com um ingênuo sacerdote franciscano, ele me revelou que tinha escrito um livro em três volumes, e queria publicar a “trilogia” que compusera “na mesma editora do Paulo Coelho”, porque teria assim sucesso garantido... Quanta ingenuidade!

Por tudo isso, é sempre com satisfação que abro, ou reabro, um livro com valor inquestionável, que já passou pelo crivo da crítica e, ainda que não tenha tido o merecido sucesso comercial, tornou-se bem conhecido dos entendidos e rendeu, se não dinheiro, pelo menos merecido prestígio ao seu autor.

É um desses livros que tenho em mãos no momento, e que, a bem dizer, já nasceu com vocação para tornar-se um clássico no seu gênero: “Como aprendi o português e outras aventuras”, de Paulo Rónai, publicado pela primeira vez em 1956 e, em segunda edição, pela Editora Artenova, do Rio de Janeiro, em 1975. É esta segunda edição que possuo.

Rónai, nascido em Budapeste, na Hungria, em 1907 e falecido em Nova Friburgo, em 1992, chegou ao Brasil já adulto, em 1940, e aqui se estabeleceu de modo tão harmonioso e feliz que se transformou num dos grandes mestres das nossas letras. Fez parte de um numeroso grupo de intelectuais de origem judaica que conseguiram escapar à perseguição do III Reich e vieram, no Brasil, refazer sua vida, aqui deixando copiosa obra. Talvez o mais famoso desses intelectuais tenha sido o bem conhecido Stefan Zweig (1881-1942). Mas Rónai, pelo seu mérito intelectual não fica atrás de Zweig, pelo contrário, ambos travam um páreo muito duro e possivelmente encerre com empate, ambos em primeiro lugar. Otto Maria Carpeaux (1900-1978), crítico literário austríaco, é outro desses intelectuais aclimatados no Brasil e incorporados à sua alta cultura.

Aqui em nosso País, Rónai logo se abrasileirou. Colaborou intimamente com o dicionarista Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira; juntos empreenderam muitas edições de livros estrangeiros, em traduções bem cuidadas e acessíveis. Teve, ainda, amizade e colaboração com Guimarães Rosa, Cecília Meirelles e Carlos Drummond de Andrade. Foi professor emérito do Colégio Pedro II, onde lecionou Francês e Latim, e publicou numerosos livros de sua lavra, ademais das traduções, destacando-se ainda como crítico literário.

O livro que estou comentando é um conjunto de trinta pequenos ensaios, todos originalíssimos pelo tema e pelo modo como o escritor os aborda. Todos são lidos de modo agradável, porque escritos de modo interessante e descontraído. Não cometerei, podem meus leitores estar certos disso, a impropriedade de reproduzir aqui, com minhas palavras, o que ele escreveu. Melhor é que todos vão se abeberar à fonte e leiam, nas próprias palavras de Rónai, o que ele escreveu.

Limito-me a um único ponto, para o qual quero chamar a atenção dos leitores. Sabem como ele aprendeu o português? Esse é o tema do primeiro dos ensaios.

- “Às vezes me perguntam como aprendi o português. Respondo geralmente que não o aprendi e provavelmente nunca hei de aprendê-lo.” - assim começa Paulo Rónai, modestamente, o seu ensaio, rendendo homenagem à riqueza excepcional e à extrema sutileza de nosso idioma. Em seguida, conta que, ainda jovem, lecionava Latim e Italiano numa escola secundária da capital magiar e frequentava um café onde se reuniam seus amigos linguistas, todos dedicados a línguas exóticas. Um estudava um dialeto de uma tribo perdida da Ásia, outro o de uma etnia da África, outro se dedicava a uma língua morta absolutamente desconhecida e assim por diante... Só ele, envergonhado, confessava saber Latim e se interessar por línguas neolatinas, conhecidas e nada exóticas.

Depois de remoer a humilhação, resolveu, por fim, procurar algo mais exótico, mais raro, que, naquele pequeno cenáculo de especialistas, lhe rendesse um pouquinho de prestígio. Desejava algum idioma extinto ou, pelo menos, falado por muito pouca gente, de preferência por uma meia-dúzia de pescadores analfabetos, em alguma ilha remota.

Procurou, procurou e nada achou. Começou, afinal, a estudar o português, mas como era língua viva e, ademais, falado por muita gente, confessa que teve vergonha de contar aos amigos. Foi quase secretamente que conseguiu um velho dicionário Português-Alemão e, auxiliado pelo Latim, pelo Italiano e pelo Francês que já dominava, foi adentrando a “última flor do Lácio, inculta e bela”. Começaram então as surpresas... que veremos na próxima semana, pois meu espaço esgotou!

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