ARTIGO

Paixão por futebol

Por Juliana Previtalli |
| Tempo de leitura: 4 min

Nhambu, pomba do mato, rolinha e juruti. No mato ou no meio do canavial, a meninada divertia-se caçando com estilingue. Na forquilha de madeira, o garoto Marco fazia marquinhas com o canivete para cada passarinho abatido e exibia-as, como troféus. Havia outra forma de caçá-los — com a ceva: durante uma semana, jogava quirera de milho sempre no mesmo lugar. Em seguida, armava o juquiá — espécie de armadilha no formato de um caixote grande com as paredes de tela e uma portinha, por onde as aves entram, mas não conseguem sair. No final do dia, recolhia os bichinhos. Aqueles muito pequeninos, dava-os aos gatos. Os maiores, limpava-os das penas e levava-os para a mãe fritar e comer.

As horas quentes das tardes de verão passavam lentas e preenchidas pelas brincadeiras infantis. No quintal do sítio do avô, próximo à Usina São Francisco do Quilombo, em Paraisolândia, município de Charqueada, interior de São Paulo, o pomar proporcionava alegria com os pés de goiaba, de maçã, de manga e de banana. Foi no quintal que Marco, aos 10 anos de idade, aprendera a fumar. Não só ele, mas também o irmão mais velho, o tio, a tia — numa família tão grande cujo avô tivera 10 filhos, alguns sobrinhos eram da mesma idade que os tios. Costume da época, a bisavó mandava-os acender cigarros para espantar os mosquitos com a fumaça. Imitando os pais e os avós, logo muitos se tornaram fumantes regulares.

Outra paixão do menino era o futebol. Marco começara a jogar aos 13 anos. Adão, o pai, levava-o a ver a equipe amadora da usina, no campo de Paraisolândia. Mais velho, passou a participar de campeonatos e de jogos amistosos contra equipes tradicionais de Piracicaba, como a Morato, a Olímpico, a Vera Cruz e a Catatumba.

Quando terminou a escola, quis continuar os estudos no SENAI — Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial —, no curso profissionalizante de torneiro mecânico, formando-se em 1979. Dessa época, recorda-se, saudoso, da primeira vez em que fora conhecer o Estádio Barão de Serra Negra, em 1978, e ver XV versus Corinthians: jogo bonito, que resultou em 4 gols para o Corinthians de Zé Maria, de Biro-Biro, de Sócrates e de Palhinha e 3 gols para o XV com os famosos Getúlio, Vadinho, Perrela e Zé Luiz.

Trabalhou pouco tempo na Motocana e na Dedini até empregar-se na gigante Raízen, onde trabalha até hoje. Certa vez, o Sr. Adão adoeceu e assustou a família. Após um ano e meio tossindo, perdendo peso e sentindo falta de ar, fora levado aos médicos, mas estes não conseguiam dar o diagnóstico. Com um tumor no rim e no fígado, levantaram a hipótese de câncer. Não era — depois de três broncoscopias, de inúmeros raios X e de vários exames de imagem, a biópsia revelou tratar-se de tuberculose. Com o tratamento adequado, curou-se, mas não sem antes deixar cicatriz nele e na família. O trauma de ver o pai em tamanho sofrimento, fizera Marco decidir abandonar de vez os cigarros.

Anualmente, 70 mil brasileiros são diagnosticados com tuberculose. Destes, 4,5 mil morrem, segundo dados do Ministério da Saúde. Frequentemente vista como uma doença do passado, é ainda das mais infecciosas do mundo — até o surgimento da COVID-19, dez milhões de pessoas adoeciam com tuberculose no mundo, das quais 1,5 milhão morriam todos os anos. Estigmatizada e silenciosa, a tuberculose continua presente e mortal entre a população brasileira. O diagnóstico, no entanto, é desafiador, ainda mais quando a doença ocorre fora dos pulmões — a tuberculose extrapulmonar. Existe, entre os fumantes, um risco aumentado em 200% de se contrair a doença e a mortalidade, entre eles, é 900% maior. A cessação do tabagismo, por outro lado, reduz, significativamente, o risco de morte.

Prisioneiro dessa dependência, Marco sentia vergonha de fumar. Poucas pessoas sabiam — somente a esposa, os filhos e os familiares. Até os colegas de profissão desconheciam-lhe o vício dos cigarros.

A paixão pelo futebol, herdada do pai, ele divide, hoje, com o filho Vinícius. Possuem dois times do coração: o XV de Piracicaba e o Corínthians. Se tem jogo no estádio Barão de Serra Negra, eles vão: estavam lá no primeiro jogo da decisão da Copa Paulista em 2022; em 2011, viram o XV sagrar-se campeão da segunda divisão contra o Guarani — a série A2, a Segundona Paulista, é considerada um dos campeonatos mais difíceis do futebol brasileiro. Quando a família sai em viagem, gostam de conhecer estádios de futebol. Estiveram no Rei Pelé, em Maceió, e no Arena das Dunas, em Natal. À Neo Química Arena, estádio do Corinthians, em São Paulo, já foram duas vezes.

Hoje, tanto tempo depois, conta que se arrepende das caçadas aos passarinhos. Mas uma data ficará marcada em sua memória, pois vem carregada de simbolismo, o 01/09/2010 — a comemoração do centenário da fundação do seu segundo time do coração, o Esporte Clube Corinthians Paulista – e também o dia em que parara definitivamente de fumar.

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