A vida no mundo material em que nos encontramos se caracteriza pela finitude, incompletude e imperfeição, com as consequentes insatisfações a que estamos sujeitos. Estar insatisfeito é, portanto, condição da nossa humanidade, e torna-se necessário aceitá-la.
Interessante observar como as pessoas se mostram insatisfeitas por motivos opostos, revelando a diversidade e os paradoxos da existência. Há quem deseje ter filhos e não o possa, enquanto outros, sem desejá-lo, os têm; solteiros que anseiam pelo casamento, ao lado de casados que querem se separar; desempregados à procura de trabalho, ao mesmo tempo que indivíduos bem posicionados profissionalmente desejosos de deixar o emprego. Em qualquer área da vida existe algum nível de descontentamento: consigo mesmo, com os relacionamentos, o trabalho, a família, a condição financeira, a saúde, a religião.
Parece-nos digno de reflexão o fato de que as insatisfações sempre têm a ver com os desejos. Quanto mais se valoriza e deseja algo diferente do que se tem, mais insatisfeito se estará, até conquistá-lo. Quando esse processo se dá de modo limitado e equilibrado, seguindo o fluxo natural da vida, pode se tornar impulso motivador e promotor de realizações. No entanto, quando se exacerbam os desejos e predominam a rebeldia e a ambição, tais fatores dão lugar às distorções que tão bem conhecemos, causadoras de inumeráveis problemas e sofrimentos, tanto individuais quanto coletivos. A fim de se evitar tais males, um dos significativos princípios das religiões diz respeito à resignação, orientando seus seguidores a se submeterem às condições adversas da vida e aos desígnios divinos. A adesão a esse princípio reduz significativamente o nível de frustração em relação aos reveses da vida, pois promove entendimento mais amplo e maior aceitação daquilo que não pode ser mudado. Essa atitude resignada, que não é de passividade nem de inação, permite que as situações difíceis e inevitáveis pelas quais todos passamos sejam reconhecidas em sua função purificadora, educativa e libertadora.
É necessária certa maturidade psicológica para se resignar diante de ocorrências que frustram expectativas, planos e desejos pessoais. Esse nível de compreensão permite que se considere as situações sob diferente perspectiva, deixando-se a posição de vítima das circunstâncias, passando-se a aceitá-las como resultantes das próprias ações e escolhas, ou mudando-as mediante os próprios esforços.
Algum nível de insatisfação é necessário ao movimento evolutivo da vida, catalisando as necessárias mudanças, pois, caso nos sentíssemos plenamente satisfeitos, permaneceríamos estagnados. Um dos paradoxos da existência é que, mesmo insatisfeitos, podemos sentir contentamento durante a busca de realização.
Importante reconhecer que as frustrações existem no nível do ego, no qual há desejos e ambições. Como ele é intrinsecamente insatisfeito e insaciável, quanto mais predominar na nossa vida, maiores serão as decepções experimentadas. Por outro lado, quando se desperta, reconhece e cultiva a dimensão espiritual do ser, permitindo sua expressão na vida exterior, entra-se em um estado harmonioso no qual os dissabores do ego não predominam. Ao reconhecermos que as insatisfações ocorrem nos níveis mais superficiais da existência e que nossa essência não é afetada por elas fortalecemos nossa fé e permitimo-nos transcender com mais serenidade as transitórias limitações próprias da nossa condição humana.
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