ARTIGO

Lembranças de um velho aldeão (15) - 1954-1964-2024

Por Cecílio Elias Netto | 19/01/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Naquela manhã, a porta da sala de aula abriu-se inesperadamente. E o intitulado Padre Conselheiro – com a fisionomia alterada – mais do que sugerir, ordenou: “As aulas estão suspensas. Vão todos para suas casas e não parem nas ruas!” Era 24 de agosto de 1954. O presidente Getúlio Vargas tinha morrido. Suicídio.

Não obedecemos. Éramos adolescentes curiosos e já cientes do que acontecia no Brasil. Ficamos nas ruas, vendo e ouvindo as manifestações populares. Ah! 1954... Cada pessoa deve ter apenas um ou alguns anos marcantes na vida. Para este aprendiz de minerador de palavras, aquele já tão longínquo ano foi determinante. Era como se o mundo se revelasse. E acolhedoramente. O garoto sentiu-se homem. Dono de si mesmo, na petulante ignorância de que a vida sequer lhe começara. Mas foi fascinante. E inesquecível.

1954 acolheu-me aos 13 anos de idade. Até hoje, não consigo entender se os 13 anos, nos descendentes de árabes, referiam-se a alguma maioridade. Para os meninos judeus, chega-se ao grande e celebrado momento de, na sinagoga, ler a Bíblia. Na casa de meus pais, havia uma lucidez que me parece até avançada demais para a época. Aos 11, 12 anos, meus pais, discretamente, me deram para ler o “Nossa Vida Sexual”, do então consagrado sexólogo Fritz Khan. “Tornar-se homem” era já fumar os notórios cigarros divulgados e proclamados pelos famosos atores de Hollywood. E “conhecer mulher”. Naquele 1954, ainda nos meus 13 anos, fui levado para a grande aventura sexual. Tive sorte. Pois a moça foi educadora...

Não consigo, pois, entender como, nos tempos atuais, trata-se como criança um adolescente de 13, 14 anos. Lembro-me de, naquele mesmo ano – no dia 25 de janeiro – ter viajado a São Paulo, com outros amiguinhos, para assistir às solenidades do IV Centenário. Levamos a chave de um apartamento desocupado de um de meus tios, no Largo do Arouche. Ninguém estranhou. Pois havia um estilo de viver mais natural, mais confiante. E, por isso mesmo, foi a época em que se iniciavam os depois chamados “anos dourados”.

Tudo começava a mudar. E auspiciosamente. Não há como esquecer e, por isso, sentir pulsante nostalgia pelo que houve e se perdeu. Elvis Presley, a bossa nova, a ascensão de Juscelino à Presidência da República, fazendo o país contagiar-se de seu entusiasmo. E, em Piracicaba, as chamadas forças vivas – lideradas pelo saudoso Sebastião Rodrigues Pinto, comerciante e político – convenceram um relutante empresário a candidatar-se a prefeito. Seu nome: Luciano Guidotti. E Piracicaba libertou-se do coronelismo que dominava a política, no rodízio, na Prefeitura, entre Luiz Dias Gonzaga e Samuel de Castro Neves.

Lá se vão, pois, 70 anos de quando empresários, políticos, estudantes, donas de casa, sindicatos se uniram para levar Piracicaba a retomar seu destino histórico. E, também, neste 2024, chegamos a 60 anos daquele trágico golpe militar que – com o apoio dos Estados Unidos – nos lançou em um cipoal de decadência e de liberdade violentada. 1964 matou as esperanças despertadas em 1954. A queda do edifício conhecido como Comurba pareceu a anunciação de outras tragédias. Acontecera o que John Lennon prognosticara: “o sonho acabou”.

Não aprender com lições do passado é, mais do que ignorância, irresponsabilidade. A indiferença política trouxe-nos, nestes últimos anos, um retrocesso inaceitável. E não há como ignorá-lo, mesmo quando se anunciam as conhecidas obras de “fim de mandato”, ultrapassado recurso de homens públicos também ultrapassados.

O passado, pois, ensina. A consciência é de cada um.

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