ARTIGO

Semelhanças e diferenças entre dois educadores

Por Armando Alexandre dos Santos | 09/01/2024 | Tempo de leitura: 4 min

Jean Piaget e Lev Vygotsky, nascidos coincidentemente no mesmo ano de 1896, aquele na Suíça, este na Bielo-Rússia, tiveram pontos em comum em suas trajetórias, a par de diferenças fundamentais.

Ambos eram de cultura ampla e interdisciplinar. Piaget iniciou seus estudos pela Biologia, estendendo-os à Zoologia, à Psicologia, à Pedagogia, à Matemática e à Cibernética. Escreveu mais de 70 livros e centenas de artigos, influenciando várias áreas do conhecimento e possui ainda hoje discípulos e continuadores. Faleceu aos 84 anos de idade, em 1980.

Vygotsky também desenvolveu um leque amplo de pesquisas, destacando-se como estudioso de Direito, Medicina, Psicologia, Pedagogia e Literatura, estudando ainda a função da linguagem e do mundo dos símbolos. Embora eu não tenha visto nenhuma referência à Semiótica, ou Semiologia nas fontes que pesquisei quando estudei seu pensamento, acredito que era nessa direção que se encaminhavam suas preocupações quando faleceu aos 37 anos de idade.

Piaget teve uma vida muito mais longa, mais regular e menos conturbada, o que beneficiou a quantidade e a qualidade de suas produções intelectuais. Vygotsky foi prejudicado pela doença, pois desde os 19 anos a tuberculose o perseguiu, e pelo fato de ter vivido num clima de revolução bolchevista. Sendo marxista, procurou inserir todos os seus estudos na rígida ortodoxia do seu partido, e daí, compreensivelmente, resultou uma limitação na sua abertura de horizontes. Isso não o impediu de ter sido censurado pela "inquisição" stalinista, talvez devido à influência de Freud em seu pensamento. Freud, como é bem sabido, foi banido da União Soviética durante todo o período da ditadura stalinista.

A principal contribuição de Piaget como educador é sua Teoria Cognitiva, deduzida da observação acurada que fez da formação dos próprios filhos. Segundo ele, são quatro os estágios que podem ser observados no desenvolvimento cognitivo humano: o sensório-motor, o pré-operatório, o operatório concreto e, por fim, o operatório formal.

Segundo ele, ainda, o processo de aprendizado é algo permanente, que que só tem fim com a morte do indivíduo. Em qualquer fase da vida, sempre se está aprendendo algo. Esse aprendizado contínuo segue um esquema que ele explica como a busca de um equilíbrio entre o universo do conhecimento já contido na mente do indivíduo e as informações que, continuamente, lhe vêm do mundo exterior. Tal busca do equilíbrio se dá em três etapas: a assimilação, o acomodamento e a adaptação. Na assimilação, a informação interior é recebida e assimilada pelo sujeito; no acomodamento, ela se confronta com o conjunto de dados anteriormente sedimentados no seu espírito; em função disso, o que vem de fora é julgado e aceito, julgado e rejeitado, ou julgado e parcialmente aceito. Mas esse julgamento não é só da informação que chegou de fora; por uma natural reversibilidade, também é questionado e julgado o conhecimento anterior. Dessa confrontação, chega-se a um equilíbrio que é a adaptação. Mas, num processo contínuo que, como disse, só acaba com a morte do indivíduo, essa adaptação será, por sua vez, questionadora de novas informações que cheguem de fora e será questionada por elas. É impossível não ver muito claramente, nesse processo, algo da dialética hegeliana ou marxista - e aí está um ponto de semelhança com Vygotsky, que também é essencialmente dialético.

De Vygotsky, além do que já ficou dito acima, cabe destacar que, em sua teoria, a aplicação da dialética marxista é mais clara e professa do que em Piaget. A aproximação de Piaget com o marxismo foi mais trabalhada pelos continuadores de Piaget, especialmente Habermas. Mas Vygotsky desde logo se professa marxista e procura acomodar todo o seu pensamento à ideologia marxista - note-se que utilizo aqui o termo ideologia no seu sentido geral, lógico e corrente, não no sentido específico em que os marxistas o usam.

Na teoria de Vygotsky, o processo cognitivo é também estudado, mas, além do entrechoque entre a informação externa e os dados já possuídos pelo espírito do indivíduo, é privilegiado o papel influenciador da coletividade, da sociedade em que vive o indivíduo em questão. Daí sua teoria ser chamada de socioconstrutivista.

Uma importante explicitação de Vygotsky foi o conceito de zona de desenvolvimento proximal, ou seja, aquela fase em que a criança se aproxima da posse de um conhecimento, mas somente com a ajuda do mestre consegue realmente possuí-lo. A meu ver, esse é um ponto fundamental que completa bem a teoria piagetiana, na qual o papel do mestre pode parecer secundário (e efetivamente foi menosprezado por certos intérpretes mais radicais do chamado construtivismo que vem destruindo o Ensino no Brasil).

Embora eu, pessoalmente, não concorde com muitas das posições teóricas desses dois pensadores, devo admitir que seus ensinamentos contêm numerosos elementos de reflexão e análise que contribuem para o educador, desde que este saiba ir às fontes primárias de onde brotaram (ou seja, os próprios textos dos dois) e não às numerosas interpretações que deles correm pelo mundo afora, produzidas por discípulos que, a meu ver, vão muito além do que seus mestres ensinaram e até, possivelmente, do que eles aceitariam.

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