É urgente se insistir no tema da utopia! Há um pensamento consolidado que procura minar, de maneira ideológica, todas as esperanças, ao enfatizar que só há uma possibilidade de organização social; que só existe um único jeito de se viver em sociedade e que fora do capitalismo neoliberal não há mais história. Como se o mundo estivesse fadado a perpetuar uma lógica perversa, demarcada por um sistema político-econômico sedimentado na exploração e na opressão. Um sistema no qual sofre o ser humano e também a natureza.
Ainda cabe sonhar! A preocupação deve ser sobretudo com os mais jovens, que talvez não tenham aprendido suficientemente a sonhar. O que significa ensinar que o neoliberalismo representa o fim da história? O que significa tal compreensão particularmente para a parcela da população que se encontra alijada dos direitos mais básicos? O que representa o neoliberalismo como única forma de organização econômica para o meio ambiente, para o planeta, que têm sido sistematicamente violentados por uma visão insustentável de desenvolvimento e progresso? Se chegamos ao final da história a pergunta que ainda retumba é: onde dormirão os pobres? O que resta para a natureza?
Ensinar a esperança e a utopia! É fundamental agora vislumbrar alternativas sociais! Outro modelo de sociedade, com outra economia, é mesmo possível? É uma quimera sonhar com uma sociedade livre de todas as formas de opressão e exploração? Como acalentar o projeto de um mundo alicerçado na ética da justiça social e ambiental? Construir o tempo da plena justiça deveria ser o tema central e mais relevante de todas as aulas e debates, dos programas televisivos, das conversas nos bares, dos cultos nas igrejas! É imperativo a criação de um amplo movimento, mobilizando todas as pessoas no discernimento sobre o caminho para a justiça.
As lições da história! Revisitar a história, formando conhecimento sobre perspectivas de outras estruturas sociais é importante para alimentar a alma e se inspirar politicamente, visando a construção de um novo tempo histórico, tendo como referência a justiça e a liberdade. A experiência dos quilombos, que se espalharam pelo Brasil no decurso de todo o período colonial, pode trazer uma fundamental inspiração política. Conhecer a organização dos quilombos não deixa de ser uma forma de apontar para outras possibilidades de vida em sociedade.
Os quilombos representam o grito dos escravizados, oprimidos e explorados que se traduz em rebeldia, resistência, luta e organização política, compondo uma outra realidade social. A produção coletiva, a partir da policultura; a partilha equânime dos bens produzidos, compondo um comunismo primitivo; a dinâmica de uma organização social capaz de acolher a todos os oprimidos, sem nenhum tipo de racismo; a concepção de outras relações humanas, a partir da ética ubuntu são algumas das dimensões mais fundamentais da utopia que representou aquela experiência histórica dos quilombos.
O início de um ano é sempre um convite para se redobrar todas as esperanças, fortalecendo a convicção política de que um outro mundo, livre de tantas formas de opressão e exploração, é mesmo viável e necessário. A utopia dos quilombos desponta como a grande inspiração para um novo projeto de sociedade, que não se rende aos ditames do mercado, com sua ideologia do fim da história e a consequente morte de toda esperança para os pobres. A história continua, quando os oprimidos se unem, evidenciando consciência de classe, torna-se possível forjar novos quilombos, mesmo no contexto mais adverso.
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