ARTIGO

A informatização inclui ou exclui?

Por Armando Alexandre dos Santos | 03/01/2024 | Tempo de leitura: 4 min

Trabalho na coordenação de um curso de Licenciatura em História, do Centro Universitário Católico Ítalo-Brasileiro (Uniítalo), sediado em São Paulo, no bairro de Santo Amaro. Nosso curso já está com dois anos de funcionamento e conta com perto de 300 alunos.

A educação a distância (EAD) constitui, sem a menor sombra de dúvida, uma poderosa ferramenta de inclusão social, permitindo que tenham acesso à educação superior numerosas pessoas que não teriam condições de seguir um curso presencial.

Isso se deve, de um lado, às enormes extensões do território nacional, que tornam difícil o deslocamento diário até o estabelecimento de ensino. De outro lado, às injunções da vida moderna, aos horários de trabalho, às obrigações de família, ao tempo que se perde nos deslocamentos físicos urbanos, etc. - fatores esses que impedem muita gente de dispor de tempo livre para cursar presencialmente uma faculdade. Acresce ainda o custo mais elevado dos cursos presenciais.

Por tudo isso, numerosas pessoas que ficariam para sempre "excluídas" da educação superior (o que, na prática, de certa forma acaba revertendo em "exclusão social") podem, pelo sistema EAD, seguir tranquilamente seus cursos de forma séria e participativa. Isso explica que, nos últimos anos, os cursos superiores de EAD tenham se multiplicado no Brasil e estejam cada vez mais sendo procurados. Na verdade, proporcionalmente eles cresceram muito mais do que os cursos presenciais.

O acesso à internet é hoje indispensável para seguir um curso EAD, embora as normas do MEC ainda imponham (em tese) que os cursos devam também ser facultados a alunos que não têm computador e prefiram mandar seus trabalhos por correio comum. Essa é uma exigência legal, mas acredito que quase nunca posta em prática, porque as estatísticas demonstram que o acesso à internet se generalizou enormemente no Brasil, atingindo hoje, sobretudo por meio dos onipresentes smartphones, as classes C, D e E.

A chamada "exclusão digital" parece ter seus dias contados. Seu fim é questão de tempo. Sempre haverá os recalcitrantes, aqueles que, por razões de incompatibilidade pessoal, jamais se incluirão. Alguns, devido a sua idade, outros por razões de gosto pessoal. Conheço pessoas de elevado nível econômico e de formação superior que, por opção, se recusam a usar computador e até mesmo celular. São excluídos voluntários.

Não resisto a acrescentar, aqui, umas notas de recordação pessoal, embora meio à margem do tema deste artigo. Frequentei muito o Consulado de Portugal em São Paulo, nos tempos anteriores à informatização. Ficava na Av. da Liberdade, num edifício lindo, em estilo manuelino, no qual até hoje tem sede a associação denominada Casa de Portugal. Era, literalmente, uma bagunça, do ponto de vista administrativo. Chegava-se cedo, entrava-se numa fila imensa e às vezes passava-se a manhã inteira e um pedaço da tarde até ser atendido. Para completar o quadro, os telefones quase nunca funcionavam...

Pois bem, apesar de todos esses problemas, era agradabilíssimo ir ao Consulado. Ficava-se numa imensa sala de espera, onde se conversava, se discutia, se reclamava, se trocavam receitas culinárias, onde se reencontravam amigos e se recordavam aventuras passadas... Constituía-se ali, naquele local, um microcosmos com certo ar de feira-livre, com algo de praça pública. Sobretudo os imigrantes portugueses mais idosos, menos letrados, sentiam-se bem naquele ambiente um tanto caótico, mas tão caseiro e familiar.

Pois bem, tudo isso mudou. O Consulado modernizou-se, informatizou-se, até mudou de local. Nas últimas vezes que precisei renovar meus documentos portugueses, vi que o sistema agora é moderníssimo e supereficiente. O site do Consulado é muito pormenorizado e responde a quase todas as dúvidas. Os telefones funcionam perfeitamente, assim como o sistema de respostas por e-mail. O atendimento é perfeito, de nível Primeiro Mundo.

Quem precisa de algum documento, imprime os formulários disponíveis no site, manda-os preenchidos e assinados, por sedex, acompanhados da documentação anexa e do comprovante de pagamento das taxas. Se tudo estiver em ordem, poucos dias depois recebe um telefonema agendando a hora do comparecimento pessoal ao Consulado, apenas para assinar os papéis indispensáveis. O Consulado, atualmente, fica fechado, não podendo a ele comparecer, como antes, qualquer pessoa. Só quem tem reunião agendada pode entrar no prédio, 15 minutos antes da hora. Se chegar mais cedo, fica fora, esperando. Quando entra, toma um cafezinho e imediatamente é recebido pelo funcionário, que já tem todo o dossiê aberto sobre a mesa e, em 5 minutos, a pessoa é liberada, com o documento desejado na mão.

É, para nós que estamos habituados com a computação, prático, rápido e supereficiente. Facilita-nos muito a vida. Mas tenho visto casos comovedores de pessoas mais velhas da comunidade lusa que se desesperam com essa informatização. Sentem-se verdadeiramente excluídos. Preferiam a bagunça anterior, que era inconveniente por muitos lados, mas lhes parecia mais humana, mas natural e familiar...

É curioso, mas a inclusão digital acaba produzindo, “contrario sensu”, uma nova classe de excluídos.

--------------

Os artigos publicados no Jornal de Piracicaba não refletem, necessariamente, a opinião do veículo. Os textos são de responsabilidade de seus respectivos autores.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.