ARTIGO

2023: o ano da subversão da justiça brasileira

Por Erica Gorga |
| Tempo de leitura: 3 min

O ano de 2023 marcou a História brasileira, política e jurídica, maculando a suposta democracia nacional. No início do ano, fomos surpreendidos pela manifestação de 8 de janeiro em Brasília, com a ocupação da Praça dos Três Poderes por manifestantes apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, seguida de invasão e atos de vandalização no Congresso, Palácio do Planalto e Palácio do Supremo Tribunal. Enquanto atos de vandalismo devem ser repudiados, tal episódio entra para a História não pelo ineditismo dos atos, mas pela forma como foram julgados pela “justiça”. Atos análogos já haviam sido realizados em manifestações do Movimento Sem Terra (MST), cujos membros, em 2014, tentaram invadir o STF, e também por militantes petistas que efetivamente invadiram e depredaram o Congresso Nacional em 2017, pedindo a derrubada do então presidente Michel Temer. Mas não se tem notícia de julgamentos dos ilícitos cometidos pelos citados manifestantes da esquerda.

A maioria dos Ministros do STF considerou os manifestantes de 8/1 espécie de Talibã brasileiro, capazes de dar efeito a um golpe de estado, determinando pesadas penas, de até 17 anos de prisão, superiores às de muitos assassinos e traficantes notórios. Entretanto, conforme explicou o Ministro Nunes Marques, em seu voto, os expedientes empregados pelos manifestantes no dia 8/1, na realidade, caracterizam crime impossível, segundo o art. 17 do Código Penal, que diz que “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. É evidente que, mesmo que quisessem, seria impossível a tais manifestantes concretizarem um golpe de Estado ou detonarem o Estado democrático de direito sem armas, sem tanques, sem fuzis, sem metralhadoras, sem canhões e sem um grupo organizado pronto para assumir as funções do poder. Quem quer que tenha observado as ações do grupo terrorista Talibã para tomar o poder no Afeganistão sabe que os manifestantes de 8/1 não podem ser equiparados ao Talibã ou ao Hamas, o grupo terrorista que realizou atentados contra israelenses, gerando o conflito que perdura na Faixa de Gaza.

Um dos princípios do Direito Penal é que ninguém seja punido por crime que outrem cometeu. Mas, foi o que, na prática, se estabeleceu na jurisprudência do medo criada pelo STF no julgamento dos atos de 8/1, contrariando-se a garantia da individualização da conduta criminosa do artigo 41 do Código de Processo Penal. Brasileiros passaram a ser condenados sem exposição individual do fato criminoso na denúncia, sendo responsabilizados por crime cometido por outra pessoa ou pela multidão.

Ocorre que, pelo Código Penal brasileiro, o crime de multidão ou multitudinário (art. 65 III “e”) é necessariamente circunstância que atenua a pena. O STF inverteu a lógica do Código Penal e usou o conceito de crime multitudinário para imputar penas, ou seja, para agravar a situação de pessoas que sequer tiveram suas condutas supostamente ilícitas individualizadas. Assim, foi extirpado um dos mandamentos do direito penal: o de que as condutas criminosas serão expostas individualmente e a pessoa só será punida pelo resultado do crime que causou (art. 13 do CP). A mais alta corte aplicou o crime multitudinário como agravante e não como atenuante, como previsto pela lei penal.

Por isso, 2023 entra para a História como ano de decisões judiciais que mudaram o sistema constitucional até então vigente no país, sem que tenha havido mudança na legislação pertinente. Os julgamentos não foram propriamente jurídicos, mas eminentemente políticos. Em novembro, sobreveio a morte do Sr. Cleriston Pereira da Silva, pai de família que morreu por problemas de saúde na prisão da Papuda, sem nem ter sido julgado pelas acusações que sobre ele recaíam. Não parece haver dúvidas de que a “justiça” brasileira é responsável pela morte de um absoluto inocente.

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