ARTIGO

General Inverno, o grande vitorioso

Por Armando Alexandre dos Santos | 26/12/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Costuma dizer meu amigo Coronel Carlos Daróz, grande mestre de História Militar e autor de obras de referência nessa matéria, que Napoleão Bonaparte não foi propriamente um inovador, mas foi alguém que soube fazer, de modo muitíssimo bem feito, o que outros antes dele fizeram ou recomendaram. Por exemplo, ele adotou como regra de conduta deslocar suas tropas em grupos menores, mais ágeis e móveis, só os reunindo na hora de combater. Não é nenhuma inovação, mas é algo que pode mudar substancialmente a sorte de uma guerra.

O fato é Napoleão revolucionou em profundidade, entre muitas outras coisas, a arte da guerra. Até hoje são estudadas suas campanhas militares e as numerosas vitórias que lhe asseguraram durante muito tempo uma aura de invencibilidade, até que sobrevieram os fracassos e a derrota final. É fácil agora, com o recuo de quase dois séculos, analisar suas campanhas e nelas apontar os acertos e os erros. Mas, na época, suas vitórias rápidas e fulgurantes pareciam tão surpreendentes que mais figuravam como passes de mágica.

Hoje, o sistema napoleônico é bem conhecido. A rapidez de seus movimentos, a concentração de força nos pontos de junção dos movimentos adversários, a contínua busca para meter-se, como uma cunha, no meio das forças inimigas sem se deixar envolver por elas, mas batendo-as separadamente, o hábito de se abastecer “in loco”, com os recursos do terreno em que estava agindo, tudo isso foi estudado e assimilado.

Em última análise, Napoleão surpreendia os adversários porque conhecia muito bem a formação teórica dos oficiais generais do seu tempo e podia prever com grande margem de probabilidade como cada qual procederia, desde que colocado diante de determinadas condições. Bastava-lhe, com seu talento militar, fazer algo que fugia dos esquemas, e isso induzia o oponente a erro e o levava à derrota.

Era um jogo desigual, Napoleão sabia como os adversários reagiriam. E agia rapidamente, de modo surpreendente e desorientador, mas sempre parecendo estar seguindo as normas gerais...

Entre o início da carreira meteórica de Napoleão e sua queda, numerosos teóricos militares analisaram suas campanhas, na tentativa de aprender qual seria o seu “pulo do gato”. Foi o estado maior do exército austríaco, sob o comando do Arquiduque Johann von Habsburg (filho do Imperador Francisco I e irmão da nossa Imperatriz D. Leopoldina), que afinal, depois de ter sido derrotado várias vezes por Napoleão, conseguiu teorizar o modo de vencê-lo.

Na campanha de Austerlitz (1805), Napoleão realizou plenamente e do modo mais brilhante toda a sua tática. Conseguiu isolar os dois corpos adversários, colocando-se entre eles e derrotando-os rápida e eficazmente. Em seguida, tomou a cidade de Viena, onde encontrou abundantes provisões para prosseguir a guerra. Ele cometeu alguns erros nessa campanha, mas mais de uma vez foi salvo quase milagrosamente, por coincidências ou acasos. Sua estrela estava em ascensão.

Já na campanha da Rússia (1812), ela tendia a cair. Napoleão subestimou o adversário e calculou mal sua estratégia. Kotusov, o generalíssimo russo, evitou ao máximo as batalhas frontais, nas quais sabia que os franceses levariam vantagem. E adotou uma política de terra devastada, cortando ao exército francês as rotas de abastecimento. O velho sistema napoleônico de se deslocar rapidamente sem preocupação com matalotagem, já que os víveres seriam conseguidos no local, no caso da Rússia falhou rotundamente. A própria tomada de Moscou, que Napoleão imaginava ser uma reedição da tomada de Viena, sete anos antes, revelou-se a maior das decepções... Taticamente, Napoleão foi sempre vencedor, no passo a passo, durante toda a sua caminhada até Moscou. Mas, estrategicamente, tinha cavado a própria sepultura.

Em suma, na campanha da Rússia, os “truques” que Napoleão costumava fazer de nada lhe valeram. Venceu o contemporizador Kotusov. Sobretudo venceu o General Inverno...

Em Waterloo (1815), Napoleão caiu porque, com seu ego cada vez mais inflado e sempre confiando nas próprias intuições geniais, subestimou Wellington. Foi este que desorientou Napoleão usando as próprias armas do corso, pois posicionou seu exército bem diante de um bosque espesso - o que era inteiramente proibido por qualquer manual de tática militar, já que impossibilitava uma rápida retirada e facilitava, ao opositor, uma manobra de envolvimento. Diante do “erro” intencional de Wellington, Napoleão fez o que qualquer general faria: lançou força total na batalha, para vencê-la rapidamente antes que chegasse o exército prussiano que reforçaria as tropas adversárias. Mas Wellington sabia que tinha condições de resistir durante horas, até que chegassem os prussianos. E resistiu, numa luta dura e prolongada. O exército prussiano de Blucher chegou ao fim da tarde. E os franceses, encurralados entre dois fogos, foram derrotados.

O dia todo tinha sido chuvoso. O solo em que se travou a batalha estava todo enlameado. No final da tarde, porém, o pôr-do-sol foi magnífico. Marcava, simbolicamente, o ocaso de um grande general, derrotado mais por sua autoconfiança e megalomania do que pela força do adversário.

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