É, ela, realmente, a mais bela história do Mundo. A de Jesus. Mas, também, a mais dolorosa. A partir de uma época, grande parte da chamada civilização cristã passou a orientar-se, no tempo, em antes e depois dele. Consumara-se, assim, a aceitação do absurdo. Pois, passou-se a “crer por absurdo. A crer naquilo que – ainda em nossos dias – parece impossível à razão e ao conhecimento dos humanos. Nascer de mulher virgem, oferecer a própria vida em prol da humanidade, aceitar morrer na cruz, ressuscitar... Como assim?
Mas assim foi. Assim é. E a data do nascimento daquela criança continua desconhecida. E, também, o lugar. Mas a Igreja, buscando cristianizar o mundo, decidiu estabelecer o Natal de Jesus na mesma data em que os pagãos celebravam o Deus Sol. No solstício de inverno. Aconteceu no século IV e prossegue no nosso século XXI. Mundializou-se, pois, a crença no absurdo. Que, por aceitação universal, não mais se discute. Nasceu Jesus. E o mundo mudou. Nada mais, pois, a discutir. É a voz do povo.
O mistério é profundo. “Mysterium tremendum”. Do nascimento do menino à morte e ressurreição, o acontecimento desperta e provoca os mais palpitantes e, também, conflituosos sentimentos humanos. Despertando a fé, criando religiões, seitas; promovendo a paz, assim como guerras; unindo e desunindo pessoas e nações; causando medos e estimulando esperanças e, enfim, influenciando toda a humanidade. Tanto os que creem quanto os descrentes. Mas...
...há vazios inquietantes nessa tão bela narrativa. Perguntas sem respostas quanto à humanidade dos personagens. Naturalmente, o absurdo não compreende explicações. Mas pessoas humanas que se transformam pela ação do divino, estas causam interesses e até mesmo preocupações diante de nossas limitações e deficiências. Penso em Maria, especialmente nela que se tornou a Nossa Senhora, a nós, crentes. Especialmente nela que, desde a minha infância, esteve na devoção de nossa família. Havia, na parede da sala, um Coração de Jesus e um Coração de Maria. E meu pai, nas horas amargas, ia-se postar frente à imagem da Virgem, nos altos da rua Boa Morte, no lar das freiras franciscanas.
Maria, uma adolescente entre 12 e 16 anos, sendo engravidada pelo Espírito Santo, informada pelo anjo Gabriel que teria um menino com o nome Jesus. Como entender uma criança aceitando o mistério profundo com tanta placidez, concordando, “faça-se em mim segundo sua palavra”? Não houve medo? A menina não se assustou, saindo em busca de seus pais? E eles, Ana e Joaquim, como reagiram há mais de dois mil anos? Acreditaram na criança, ignoraram a informação, embraveceram, indignaram-se com a gravidez de pai desconhecido? E José, ficou bravo apenas por algum tempo? Por que o anjo não o avisou antes de o Espírito Santo agir no ventre da garotinha, evitando, assim, tanta confusão?
Não há como explicar o que aconteceu. Mas é possível imaginar – digo-o por mim – a gravidez da menina. Mal vista por vizinhos, quase abandonada pelo noivo, recolhida a uma estrebaria, dando à luz num leito de capim, tendo José – que não a conhecia como mulher – como ajudante no parto. Onde lavar o menino? Como separar o cordão umbilical? E, além de tanta dificuldade, uma estrela – escandalosa de tanto brilho – anunciando, ao mundo, que ela, a menina, parira o Filho de Deus? E, depois, fugindo para o Egito montada no lombo de um burrico.
Sem Maria, não haveria tal linda e trágica história. Neste Natal, deveríamos dar-lhe o incenso, ouro e mirra que não lhe foram dados naquela noite sagrada. Jesus é o Filho da Mãe.
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