ARTIGO

O Preço Da Bolha

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

Semana passada, o Spotify, um dos maiores aplicativos de streaming de música do mundo, divulgou a aguardada (e famigerada) lista de mais tocados do ano.

E lá fomos nós divulgar para o mundo, que nada nos perguntou, sobre quem escutamos durante 2023.

Muito além disso, descobrimos quais foram os artistas mais ouvidos do mundo e com recortes regionais, como o Brasil. É nesse momento que me pego pensando: em que bolha eu vivo?

A lista de músicas e artistas mais tocados nacionalmente está bem fora do que a minha particular inclui. E tá tudo bem, mesmo porque seria estranho que um país inteiro só escutasse músicas dos anos 1980 e Vivaldi para dormir, como eu.

Mas aqui entramos em uma questão que há anos é uma pedra da música brasileira, além de entender mais sobre como funciona o comércio e a divulgação musical no país.

Dos cinco artistas mais tocados no Brasil, quatro são sertanejos. A “preferência” nacional também é refletida nas músicas, álbuns e playlists mais tocados.

Até aí, nada contra. Afinal, o interior do Brasil é gigante e justamente onde o ritmo pulsa em cada radinho de pilha e fone de ouvido.

Também é nesses lugares que a diversidade cultural dificilmente encontra espaço, propositalmente.

Seria o sertanejo, portanto, uma unanimidade em um país tão rico em diversidade musical como é o Brasil ou a única opção permitida a uma grande parcela do público? A resposta está em vários pontos.

No ano passado, Kamilla Fialho, ex-empresária da cantora Anitta, viralizou na internet ao expor como funciona o mercado do sertanejo e quem o patrocina: o agronegócio.

Ela afirmou que o famoso “jabá” existe, é muito forte e cada vez mais cruel. Além de pagar para rádios e programas de televisão tocarem a música de certo artista, o mercado boicota o que não o interessa.

“Tem muito dinheiro, meu amor. Ali é boi. Eu pago para tocar uma música na rádio e eles compram a rádio”, disse ela.

Vale lembrar que o esquema de “jabá” é antigo e acontece desde os anos 1980. Antigamente, um artista batia na porta das rádios, tomava um café com o DJ responsável e entregava o disco para que ele escolhesse qual faixa iria tocar.

Naturalmente, o público era apresentado àquela canção e pedia mais se gostasse. Fazer sucesso ou não dependia desses fatores. Agora, não é necessariamente questão de gosto.

Não à toa, a cantora mais ouvida no Brasil é Ana Castela, conhecida por ser a “boiadeira” e estar em um subgênero do sertanejo conhecido como “agronejo” – quer obviedade maior que essa?

O agronegócio usa de seu poder financeiro para influenciar a cultura. E isso significa entrar em uma guerra contra tudo que não segue o padrão sertanejo. E isso não é uma questão apenas de gosto. É “soft power” puro!

Ter poder sobre o que uma massa vai consumir culturalmente é uma forma de manipulação poderosa. Ou vocês acham que o apoio político desses artistas do meio agro é mero acaso?

Há bem pouco tempo atrás, vários sertanejos foram pegos no pulo. Eles recebiam cachês altíssimos pagos por prefeituras de cidades paupérrimas que chegavam a desviar recursos da saúde e educação para bancar os shows.

O próprio Spotify mudou muito desde que começou seu serviço de streaming, afetando até mesmo o inabalável algoritmo. Há uns bons anos, quando eu acessava a opção de buscar por novidades, encontrava discos e músicas novas de meus artistas preferidos.

Hoje, eu posso até tentar ir na aba de novidades do aplicativo, mas vou encontrar um monte de dupla sertaneja que nunca ouvi falar ou chegam perto de qualquer coisa que eu escuto.

Então eu pergunto, caro Spotify, eles estão ali gratuitamente mesmo fora do meu algoritmo?

Parafraseando Gilberto Gil, “o povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe”. E parece que vai ficar querendo.

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