ARTIGO

Leitura, compreensão e memorização de textos

Por Armando Alexandre dos Santos |
| Tempo de leitura: 4 min

Objetivamente falando, entendemos um texto quando somos capazes de reproduzi-lo “ipsis litteris”, repetindo de memória suas ideias e suas formulações de modo, por assim dizer, fotográfico. Ou quando o parafraseamos, repetindo suas ideias, não porém suas formulações; ou seja, quando o recontamos com nossas próprias palavras, mas respeitando fielmente seu conteúdo.

Esse entendimento será mais perfeito se não nos limitarmos à repetição do texto, mas o situarmos dentro do seu contexto e, sobretudo, se “entrarmos dentro da cabeça” de quem o produziu, de modo a compreender as motivações e intenções do seu redator.

Até aqui, ficamos dentro do campo da mera objetividade. Mas, além desse campo, há também outro, de grande importância, que é o da subjetividade.

Quando não nos limitamos a analisar e memorizar o texto em si mesmo considerado, ou no contexto em que ele se situa, ou na ótica do seu autor, mas o reinterpretamos e nele colocamos algo de nós mesmos, de certa forma nós o recriamos.

Nessa recriação entra, necessariamente, algo de pessoal, de eminentemente subjetivo. É forçoso que sejam selecionadas algumas partes do texto que são, ou que nos parecem mais importantes. É forçoso que acentuemos certas passagens, que destaquemos sua importância, que as relacionemos com outros fatos que o texto não referiu, mas que nos parece conveniente aduzir para que o texto adquira toda a sua importância e para que se realce todo o seu interesse.

A distinção entre o sentido objetivo e o subjetivo da leitura é mais teórica do que real; é didática e, a esse título, é útil que a conheçamos e estudemos. Mas, na prática, é quase sempre impossível a objetividade total, pois é próprio do ser humano, à medida que reproduz, já ir insensivelmente julgando e acrescentando uma notinha pessoal sua.

Talvez uma comparação permita se entender melhor isso. Diante de uma paisagem, podemos tirar uma fotografia dela. Teremos, assim, uma reprodução sem dúvida objetiva.

Podemos, também, pintar um quadro a óleo, ou uma aquarela, ou fazer um desenho, em que procuremos reproduzi-la fielmente, de modo por assim dizer fotográfico, nos moldes da chamada arte hiper-realista. Por mais que queiramos fazê-lo, entretanto, jamais se logrará alcançar esse objetivo de modo perfeito, porque insensível e subconscientemente acabaremos realçando as formas, as cores e os tons que, subjetivamente, mais nos impressionaram num quadro que, na sinceridade do nosso espírito, julgamos estar pintando de modo plenamente objetivo.

E podemos, também, partir diretamente para uma reinterpretação da paisagem, permitindo-nos maior liberdade de criação, já num campo inteiramente explícito e "assumido"; ou podemos partir para uma caricaturização, em que são exagerados de propósito certos traços para realçar mais aquilo que se quer fazer passar como realidade.

Tudo isso é possível fazer ao entender e reproduzir um texto.

Outro ponto importante a tratar, com relação à leitura, é o problema da memorização. Em que medida é indispensável guardar na memória algo para se poder dizer que houve uma intelecção plena?

Existem pessoas que têm memórias privilegiadas e conservam com extrema fidelidade até os pormenores mais insignificantes das coisas lidas ou observadas. Muitas vezes, porém, essa capacidade extraordinária impede o desenvolvimento da criatividade. Na maior parte dos casos, os espíritos criativos são distraídos e desinteressados pelos pormenores das coisas que os rodeiam e não se lembram das coisas, porque sua atenção está fixada em problemas de outra natureza. Daí o estereótipo do “gênio distraído” e descolado da realidade, do qual o famoso “Professor Pardal”, de Walt Disney, é exemplo característico.

São raríssimos os espíritos altamente criativos e, ao mesmo tempo, dotados de uma excepcional memória. Um deles foi, sem dúvida, São Tomás de Aquino, o grande filósofo e teólogo medieval que “cristianizou” o pensamento de Aristóteles e produziu extensa, variada, profunda e original obra que abrange muitos e muitos volumes, sobre Filosofia, Teologia, Direito, Ciência Política, Economia etc. Foi dos maiores sábios que a Humanidade produziu em todos os tempos.

Ademais de altamente criativo, São Tomás possuía um dom muito raro. Bastava-lhe ler uma única vez um texto, para nunca mais esquecê-lo. Seu HD cerebral era tão perfeito e tão ordenado que retinha tudo, absolutamente tudo, sem nada esquecer nem embaralhar. Não precisava tomar apontamentos, fazer anotações ou registrar textos para serem eventualmente citados. Tudo isso ficava dentro de sua cabeça e, quando precisava, de memória citava tudo, com impressionante fidelidade.

Notabilíssima é sua obra “Catena Aurea” (cadeia, ou corrente de ouro), na qual comenta os quatro Evangelhos inteiros, recordando o que sobre cada um dos versículos, comentaram os Padres da Igreja Latina. É obra extensa, que enche quatro grandes volumes. O mais incrível é que São Tomás a compôs de memória, reproduzindo o que havia lido nas obras originais dos inúmeros autores que cita. E suas citações são de uma precisão estonteante... Isso, sim, é que é ter memória privilegiada!

Comentários

Comentários