ARTIGO

Zumbi Refletido no Espelho da História!

Por Prof. Adelino Francisco de Oliveira |
| Tempo de leitura: 3 min

É mesmo uma pena e uma imensa perda que os jovens alunos não estudem, com a profundidade necessária, a figura do grande Zumbi dos Palmares. No meu tempo de ensino básico o nome de Zumbi aparecia sempre muito lateralmente nos livros de história. As vezes era feita uma mera menção, que não chegava a preencher meia página. Esse é o processo de apagamento e invizibilização histórica. Como se Zumbi não tivesse sido o altivo, lendário e grande herói, que lutou ardorosamente, até a morte, contra o sistema colonial, que exterminava, escravizava oprimia e explorava povos indígenas e negros.

Se a figura de Zumbi é literalmente apagada dos livros didáticos, também é invisibilizada nas Praças e Rodovias pelo país a dentro. Somente como mera ilustração, as grandes e modernas rodovias, que ligam a capital Paulista com os mais importantes centros econômicos do interior, como Campinas, Piracicaba e Ribeirão Preto, são nomeadas de Bandeirantes e Anhanguera. Por que homenagear e fazer memória a uma figura como Anhanguera e não ter, em São Paulo, uma grande rodovia designada de Zumbi dos Palmares? Todo esse estratagema faz parte dos esforças da política oficial racista de apagamento e invizibilização de tudo que remete à história e cultura da população negra. Para as personalidades negras não há lugar para memória, nem monumentos, nem para homenagens!

Vi Zumbi refletido no espelho da história! Mas há uma poderosa força que não pode ser contida, uma verdade que não pode ser apagada ou mesmo invizibilizada. Zumbi, lendário, mítico ou histórico, sempre foi um herói, mesmo que os livros de história, sob o véu da ideologia da branquitude, insistam em não fazer esse registro. A utopia de Palmares, acolhendo todas as etnias, em um projeto social de justiça e direito, continua presente, alimentando as esperanças de um mundo livre do racismo e também de todas as formas de opressão e exploração.

Zumbi é também uma ideia, um projeto, uma inspiração, uma consciência de emancipação. No território de Piracicaba, Mestre Zequinha, da Capoeira Angola, é também Zumbi, redivivo na história, nas muitas lutas cotidianas que se levantam contra o racismo e contra outras formas de preconceitos disseminadas pela cidade. Como por um espelho, refletindo tantas imagens e representações, a partir de uma determinação que guarda raiz e busca forças na mais longínqua ancestralidade, Mestre Zequinha, com sua Capoeira, é a afirmação mais contundente de que aquela bela utopia do Quilombo de Palmares, sintetizada em Zumbi, não pode ser apagada, invisibilizada ou mesmo esquecida. Há uma verdade histórica que pulsa, apesar de toda tentativa de silenciamento oficial.

Tudo que Zumbi representa, de maneira idílica ou histórica, manifesta-se na luta antirracista, projetando a utopia libertária do socialismo. Recentemente tive o privilégio de conhecer Mestre Zequinha mais de perto, graças a um projeto de pesquisa proposto pelo professor Philippe Waldhoff, que é titular no Instituto Federal do Amazonas e também contramestre na arte da Capoeira. Na dinâmica cultural de educar por meio da Capoeira Angola, Mestre Zequinha se constitui como um autêntico griô, tecendo memórias que são capazes de reconstruir representações de Mãe África, formulando, na ludicidade da Capoeira, toda uma ética antirracista e profundamente humanista. Olha lá, é Zumbi que aparece refletido no espelho, naquela roda de Capoeira em Piracicaba, tendo Mestre Zequinha e seus discípulos como os protagonistas de um novo tempo histórico, demarcado pelo som da liberdade que ecoa daquele berimbau.

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