O jornalista não conseguiu, ainda, encontrar palavras, frases para interpretar o que está acontecendo na região da Rua do Porto. Tudo o que lhe vem ao cérebro, ao coração, aos sentimentos sabe-lhe ao inacreditável. E à indignação crescente. Pois, apesar da reação da comunidade, o que se está anunciando nada mais é do que um acinte, uma violação, um estupro histórico que contou com a participação do lamentável governo municipal.
O que, afinal de contas, está por trás da autorização a um empreendimento milionário em uma região histórica e mitológica preservada ao longo dos séculos? O que está por trás disso? Como se “destomba” um patrimônio “tombado”? Favorecendo quem, o quê? Qual o benefício para a população – em especial a mais carente – trará um projeto voltado para a classe mais favorecida? O Prefeito, o Codepac entregaram, assim tão gratuitamente, todo um tesouro cultuado por um sem fim de gerações?
Temos, desde o início da atual administração, sugerido convocar especialistas, grupo de inteligência, para tentarmos entender, para Piracicaba, o que a formidável transformação científico-tecnológica exige de todos. E, principalmente, de governantes. E admito: também por suspeição quanto ao governo que entra em seu último ano. Suspeição pela inexperiência, imaturidade política e, também, por antecedentes. Mas, não se pode, ainda, esquecer a responsabilidade de um eleitorado que votou sem saber em quem e em quê. E de partidos políticos que, com indiferença revoltante, agem mais em função de seus “donos” do que da população. Mas essa é outra história, questão vital que, novamente, o país precisa questionar.
No entanto, essa indignação – diante de procedimentos suspeitos, revoltantes, contrários à história de um povo – não é original. Tem atravessado os séculos. O poder seduz, hipnotiza, desperta apetites que se vão tornando insaciáveis. O gênio de Shakespeare já o reproduzira em sua obra inigualável. E continua como advertência. Pois está lá – na tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca – a frase que se tornou histórica: “Há algo de podre no reino da Dinamarca”. E isso, por volta dos longínquos 1599/1601.
O governo municipal que aí está autorizou empresários a, na realidade, explorar comercialmente o berço da história piracicabana. Todo aquele espaço à beira rio é um tesouro inestimável de nossa terra. Há décadas, aquela imitação de paraíso – cultivada, respeitada, ornada por homens como Luiz de Queiroz, André Sachs, muitos outros – clama por cuidados. É, também, uma singular pérola turística, houvesse uma visão mais lúcida de cada governante de plantão.
Temos o direito e o dever da suspeição. Pois é, desde o início, também suspeita a autorização da Prefeitura para realizar tal obra numa região histórica e mitológica respeitada secularmente. Como, pois, seria decente e honesto aceitar-se tal violação quando há toda uma história de cuidados, de preservação, de respeito àquele lugar privilegiado? Os ditos empreiteiros não estão, apenas, desrespeitando uma herança; desrespeitam um povo. E contribuem para descaracterizar uma cidade reconhecida por sua singularidade, pelos privilégios que a natureza e a mão dos homens nos concederam.
Não há como silenciar. O escriba aprendeu, ainda na adolescência, ser, o jornalista, “cão de guarda da sociedade”. Sim, cães de guarda envelhecem. Mas ainda rosnam. É missão, dever. Eis, pois, que, à lembrança de Shakespeare, rosno para afirmar que “algo há de podre no reino da beira rio”. Se o governo não resolve ou é conivente, recorra-se à Justiça. Urge!
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