ARTIGO

Humor político na antiga U.R.S.S.

Por Armando Alexandre dos Santos | 06/11/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Adquiri na Livraria Francesa, de São Paulo, um livro que comecei a ler após o jantar. Tão apaixonante era a leitura que só consegui dormir depois de concluí-la. Trata-se de “O comunismo é solúvel no álcool?”, dos irmãos Antoine e Philippe Meyer, o primeiro diretor de uma editora, o segundo “sociólogo generalista amador”.

É obra, claro, de cunho humorístico, contendo “anedotas, blagues, brincadeiras e outras manifestações de humor político” provenientes dos mais diversos pontos da ex-União Soviética e recolhidas por rádio ou por meio de dissidentes do regime.

Ditaduras são habitualmente um caldo de cultura propício para o humor político. A ditadura comunista, de longa duração, propiciou matéria abundante para gerações de humoristas anônimos. A excepcional criatividade dos eslavos também contribuiu para que esse gênero se expandisse com vigor especial. Seguem algumas amostras:

- Como morreu Mayakovski? - Mayakovski se suicidou. O infeliz não foi capaz de compreender as indispensáveis transformações de 1927. - E quais foram suas últimas palavras antes de se matar? - Foram: “por favor, camaradas, não atirem”.

Na Sibéria, três prisioneiros, provenientes da mesma região do império soviético se encontram. Um deles diz: - Estou aqui há 20 anos porque escrevi um artigo criticando o camarada Wladimir Alexandrov. O segundo diz: - Estou aqui há 18 anos porque fiz um discurso elogiando o camarada Wladimir Alexandrov. O terceiro se apresenta: - Estou aqui há 19 anos porque sou Wladimir Alexandrov.

Um jornal de Zagreb lançou um concurso de redações livres sobre o Generalíssimo Tito. Primeiro prêmio: 20 anos de prisão com trabalhos forçados.

Desde que apareceu o movimento dissidente na Rússia, a polícia precisou modificar seus métodos de atuação. Os policiais passaram a andar sempre em grupos de três: um que sabe ler, outro que sabe escrever, e o terceiro encarregado de vigiar os dois perigosos intelectuais.

Depois de sufocada a revolução húngara, de 1956, a municipalidade de Budapeste recebeu uma mensagem de Moscou, sugerindo que, em homenagem a Nikita Krushev, a Catedral de Santo Estêvão passasse a se chamar Catedral de São Nikita. Os húngaros responderam: - “Perfeitamente. Mandem logo as relíquias”.

Que conselho se deve dar a um intelectual soviético? - Em primeiro lugar, não pense. Se não consegue ficar sem pensar, não fale. Se não consegue ficar sem falar, não escreva. Se não consegue ficar sem escrever, não assine. Se não consegue ficar sem assinar, então não se queixe.

Numa das repúblicas da União Soviética, é dia de eleições. O governo as organiza como de costume, de acordo com o cerimonial de praxe. Os eleitores se apresentam, recebem os envelopes fechados com o nome do candidato único, e vão um a um, disciplinadamente, depositar os envelopes na urna eleitoral. A certa altura aparece um eleitor muito alcoolizado e, sem atinar com o que fazia, tenta abrir o envelope. O secretário local do Partido horrorizado se precipita: - Não sabe, camarada, que o voto secreto é um dos pilares da nossa democracia?!

- O que aconteceria se a União Soviética estendesse o socialismo autogestionário até o deserto do Saara? - O Saara logo começaria a importar areia.

Certo dia, em Moscou se espalha a notícia de que a cidade seria abastecida de carne. Imediatamente se formam filas enormes diante dos açougues, e multidões de pessoas passam toda a noite à espera da abertura dos estabelecimentos. De manhãzinha, aparece um funcionário do governo e adverte: - Os que forem judeus, podem ir embora, porque a carne não será vendida para os judeus.

1/3 dos presentes sai das filas e volta para suas casas. Três horas depois, o açougue continua fechado. Apresenta-se de novo o burocrata - Só há carne para os membros do Partido Comunista. Quem não tiver carteira do Partido pode ir embora.

9/10 dos presentes se afastam. Ficam só os membros do PC, ainda muito numerosos. Três horas depois, o funcionário reaparece, e diz: - Camaradas, agora que estamos só nós do Partido, devo dizer-lhes que não temos carne.

Ouve-se, então, no fim da fila, uma voz que protesta: - Esses judeus são sempre favorecidos!

Durante o governo Stalin, foi decidido que seria comemorado solenemente o centenário do escritor Puchkine. O Presidium Supremo decide abrir um grande concurso para erigir uma estátua a esse herói da pré-União Soviética. De todos os pontos da URSS chegam projetos variados: Puchkine lendo; Puchkine escrevendo; Puchkine pensando; Puchkine discursando etc. etc. Venceu o melhor projeto: Stalin lendo Puchkine         

Um grupo de turistas visita em Moscou a Casa dos Inventores Soviéticos. Lá, mostram-lhes as fotografias dos inventores do automóvel, do avião, do refrigerador, da luz elétrica, dos navios a vapor, dos óculos, do cinema, da televisão, da bomba atômica - todos soviéticos. Em posição de destaque, figura o retrato de Breznev, o inventor da Casa dos Inventores Soviéticos.

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