No final do século 19, uma das grandes obras da pintura do Romantismo, assinada por Caspar Friedrich, recebia o nome de "O peregrino sobre o mar de névoa" (sugiro aos amantes da arte que deem uma olhada nesta obra). Ela é minha inspiração para o artigo de hoje. Na pintura, um homem está no topo de uma montanha, observando a natureza. Uma obra-prima, bela para ser contemplada e ótima para uma reflexão bem atual: como seria esta mesma imagem se colocássemos nela o homem contemporâneo? Certamente ele não estaria observando romanticamente a paisagem e “vivendo” aquele lindo momento, mas estaria fazendo selfies...
Um dos grandes estudos de Freud foi sobre o narcisismo, raiz da vaidade, que, aliás, foi o primeiro grande inimigo do ser humano e continua sendo até hoje.
As pessoas estão valorizando e vivendo a imagem que elas transmitem e isso é muito nocivo. Viver não é isso. O narcisismo e a vaidade, inclusive, são as principais dificuldades (no âmbito corporativo) para o gerenciamento de pessoas e resultados, além de ser a maior causa de problemas emocionais e de relacionamento em todos os cenários.
Do ponto de vista psicanalítico, quanto mais eu quero me mostrar mais eu quero esconder meus reais problemas e mais eu necessito de "autorização ou aplausos externos”, ou seja, me torno um escravo da minha insegurança e das “faltas” que meu psíquico reclama...
Entretanto, quem consegue dominar seu narciso tem uma enorme vantagem sobre o restante da humanidade.
Na mitologia grega, Narciso, o auto admirador, ficou conhecido pela sua beleza, entretanto, o mito o proibia de se contemplar, com o prêmio de uma vida longa. Imagina se Narciso fosse vivo hoje? Certamente teria morte instantânea! A modernidade e a tecnologia “presenteiam” diariamente a humanidade com várias ferramentas poderosas para a autoadmiração, e uma delas chama-se “redes sociais”. O selfie (“autorretrato”, em inglês) virou moda, mas, infelizmente, mostra como o ser humano está cada vez mais superficial.
Os novos narcisos precisam estar bem na foto, alegres, em lindos lugares, mostrando total e irrestrita felicidade. O resto? Cada dia importa menos, mesmo porque se tornou “resto”. Grandes questões que realmente fazem a diferença na evolução pessoal e profissional, bem como na busca do equilíbrio emocional e da verdadeira felicidade, ficam completamente ofuscadas pelo brilho das fotos, das inúmeras postagens, das curtidas, dos comentários – da necessidade da aceitação. O que o outro pensa a meu respeito vai tendo um peso cada vez maior sobre o que eu mesmo penso sobre mim. E isso está destruindo as pessoas, sem que elas nem percebam.
Observamos que no passado o foco da busca era o interior do ser humano, suas frustrações, destino, angústias. Agora, é o externo que importa. O ser humano se torna cada vez mais um manequim de si mesmo, belo por fora, mas sem sentido ou rumo.
Estatísticas de depressão, doenças e tantos outros transtornos (que até acabam em suicídio), estão comprovando esse cenário. O ser humano atual não quer se conhecer, se ver (na essência) e resolver seus dilemas e, então, se esconde no corpo produzido, na falsidade dos sorrisos, nas fugas, nos atalhos ou em lugares maravilhosos - muitas vezes nem vividos, mas registrados. Vive-se todo um contexto de autoengano, onde as “capas” belas e atrativas estão com conteúdo cada vez mais pobre e sem sentido para o que realmente importa: a alma; resultando numa sociedade de fotos sorridentes e travesseiros encharcados.
“Falar muito de si mesmo, pode ser também um modo de se esconder”. (Friedrich Nietzsche)
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