ARTIGO

O milagre de Santa Rita

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

Quando pré-adolescente, eu era coroinha da igreja Matriz da Vila Rezende. E nessas de ajudar a paróquia nas missas e eventos, lembro que participei de uma das quermesses de fim de ano que homenageavam a Imaculada Conceição, padroeira da cidade.

Eu ficava na barraca da pescaria e um dos prêmios disponíveis para quem ganhava era um maço de cigarro. Sim, senhores, os tempos eram outros. E foi dentro da igreja que tive meu primeiro contato com a nicotina. Bela contradição!

Ferindo o sétimo mandamento, furtei um maço de cigarros em plena igreja. Ao voltar para casa, fui no fundo do quintal e acendi meu primeiro cigarrinho.

Blergh! Foi horrível!

Anos depois, a influência dos conhecidos me fez colocar um cigarro novamente na boca. E dessa vez foi pra valer.

Lembro como se fosse ontem quando uma amiga insistiu em me apresentar um que tinha sabor menta, e passei a fumar de vez em quando.

Mesmo não me tornando um fumante inveterado, o vício existia. Não podia beber uma gota de bebida alcoólica para quase que instantaneamente precisar acender um cigarro.

E lá ia um maço, às vezes um maço e meio, de cigarros em uma noite de balada, o que, somando um pouco daqui e dali, dava uns três ou quatro por semana.

Foram mais de 15 anos assim. Até agora!

A vontade de parar de fumar sempre existiu, assim como a culpa, mas aquele cigarrinho com a cervejinha, com o vinhozinho, com o drink de vodquinha… era um desbunde aparentemente inocente!

Nunca tentei de fato parar apesar dos pedidos de minha família ou campanhas de prevenção do câncer, médicos dizendo que o fumo aumenta o risco de um tumor em sei-lá-quantos-por-cento. Os avisos eram constantes, mas como todo fumante faz, eu também ignorava.

Mas eis que minha ídola-mor de toda vida, Rita Lee, foi diagnosticada com câncer de pulmão, depois de décadas fumando. Rita e o cigarro eram “parceiros perfeitos” do crime em serem rebeldes. Não era difícil ver os dois juntinhos até mesmo em cima do palco ou nos camarins.

Depois de envelhecer, Rita dizia que aquele era seu único “pecadinho” que sobrara, depois de ter passado por barras pesadas de drogas e álcool.

Foi uma angústia sem fim acompanhar o processo de Rita e o câncer de tão longe, sem muitas informações.

A dor por ela era imensa, mas, mesmo assim, não deixei de fumar.

Rita se foi em de 8 maio. Chorei por oito dias seguidos, em uma tristeza que nunca havia me consumido tanto.

Mesmo assim, não deixei de fumar.

Rita nos deixou de presente sua outra autobiografia, lançada poucos dias após sua morte, relatando algumas das últimas semanas de sua vida e seu tratamento contra o câncer. Inevitavelmente, estava a relação dela com o cigarro.

No livro, Rita deixa claro que aquilo não é um manual anti-tabagismo ou um auto-ajuda para parar de fumar.

Apesar disso, ler aquela saga alucinada no combate ao tumor que crescia em seu pulmão, e, depois por seu corpo, mexe com qualquer um.

Devorei o livro em três horas! Depois, reli. Foram dias e dias pensando, remoendo e chorando. Mas o livro não é triste, pois nada fica tão sério nas palavras de Rita.

Rita não diz em nenhum momento que se arrepende de algo ou nem mesmo dá um passo-a-passo para que um fumante pare de fumar. Nem se faz de vítima de seu próprio vício.

Mas com seu livro, acredito que Rita operou um milagre neste humilde súdito: a vontade de fumar desapareceu.

Campanhas de prevenção ao câncer ou combate ao fumo ou ao álcool vão para um lado completamente errado quando produzem seus conteúdos já batidos.

Com uma descrição gráfica de sua doença e sua veia humorística, Rita traz em seu livro dor e conforto.

Mesmo sem querer, Rita mostra, com sua experiência e sarcasmo, sem discursinho de Madalena arrependida, que fumar é uma grande merda!

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