ARTIGO

O incrivelmente rico Mr. Edison

Por Armando Alexandre dos Santos | 16/10/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Tratamos, na última semana, da figura de Thomas Edison (1847-1931), um homem altamente representativo do tempo em que viveu. Referi-me, de passagem, a sua enorme capacidade de trabalho. Para se falar somente do caso da lâmpada elétrica, deve-se dizer que o parto intelectual dessa invenção foi, para Edison, terrivelmente laborioso. Transcrevo de uma obra que publiquei, há duas décadas, em colaboração com Carlos Mazzei:

“No caso da lâmpada elétrica, Edison trabalhou penosamente no seu projeto, durante anos a fio. Como se havia acostumado a dormir pouco, passava as noites acordado, estudando o problema que o atormentava. Um biógrafo revela que, depois de ter lido tudo quanto até então se havia escrito em matéria de iluminação, Edison chegou a preencher 200 cadernos com suas notas e apontamentos, e chegou a usar nada menos que 40 mil páginas com esquemas e diagramas. O problema fundamental era encontrar algum material que, percorrido pela eletricidade, pudesse produzir luz sem se consumir instantaneamente. Depois de muito pensar, decidiu-se a fazer o contrário do que até então se havia tentado fazer. Ou seja, em vez de enfraquecer a corrente elétrica, experimentou aumentá-la, mas dentro de um recipiente de vidro em que houvesse vácuo perfeito. O caminho certo era esse, mas até chegar ao filamento de bambu carbonizado (mais tarde substituído pelo filamento de tungstênio), precisou experimentar centenas de materiais. O próprio bambu, não foi fácil achar. Edison chegou a gastar mais de cem mil dólares enviando ao mundo inteiro emissários encarregados de lhe trazerem amostras de bambu, até decidir-se pela espécie ideal. Esses bambus, Edison os mandava plantar no parque de sua casa de Fort Myers, no sul da Flórida, vizinha da propriedade de Henry Ford. As duas casas, hoje transformadas em museus, são pontos obrigatórios de visitação turística.” (MAZZEI, C.; SANTOS, A. A. dos. Inventei: e agora? São Paulo: Artpress, 2003)

O resultado de sua imensa capacidade de trabalho é que, quando faleceu, em 1931, já havia registrado 1098 patentes e acumulado uma fortuna colossal. Muito generoso, enriqueceu nababescamente seus numerosos auxiliares, pois costumava associá-los aos empreendimentos que estabelecia nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Quando morreu, “The New York Times” estimou que o montante do patrimônio representado pelos negócios que tinham base em seus inventos atingia a cifra astronômica de 25,6 bilhões de dólares. Atualmente, a fortuna de um Bill Gates é avaliada em cerca de 50 bilhões de dólares, mas o dólar tem hoje valor real pelo menos 30 vezes menor do que nos tempos de Edison. Assim, comparando-se em termos aproximativos e imprecisos, pode-se dizer que a fortuna de Edison equivaleria pelo menos à de 15 Bill Gates.

Acrescente-se que além de inventor, de caçador e aproveitador de talentos, Edison também cuidava pessoalmente da propaganda de seus inventos (foi como jornalista que iniciara a vida) e desenvolvera um extraordinário tino comercial. Era, ademais, cultíssimo, lia com grande voracidade e rapidez e possuía o dom muito raro da memória integral: não esquecia o que lia. Todos esses talentos explicam um sucesso humano e comercial absolutamente único.

Vale ressaltar ainda que sua vida decorreu no período que assinalou a ascensão, em nível mundial, da influência norte-americana, tomando o lugar daquela até então exercida pela Europa, e mais especialmente por Inglaterra e França. Do ponto de vista político, econômico e militar, os EUA substituíram a Inglaterra; e, do ponto de vista cultural, com a disseminação, por meio do cinema de Hollywood, do “american way of life”, a grande influência cultural de França cedeu lugar à norte-americana. De certa forma, pode-se dizer que a “missão civilizadora” que a Europa oitocentista julgava possuir em relação ao resto do mundo foi assumida pelos Estados Unidos. É o que podemos verificar, analisando a atuação deste país ao longo do século XX e nas primeiras décadas do século XXI.

Edison se insere bem no modelo de homem que realizou mudanças que fortaleceram sobremaneira o otimismo do homem de seu tempo, que parecia acreditar piamente no mito do progresso incoercível e inelutável do engenho humano, de modo a chegar a superar todas as barreiras e limites fixados pela Natureza.

Eu, que nasci em 1954, convivi na infância e adolescência com pessoas que haviam nascido no final do século XIX ou no princípio do século XX; conheci gente que acreditava piamente nesse mito. Acreditava, por exemplo, que depois da descoberta da penicilina, a última batalha que restava à Medicina era vencer o câncer. Quando se descobrisse a cura para essa doença terrível (que no meu tempo de menino, quando diagnosticada, significava rápida sentença de morte), nada mais se oporia a que as pessoas vivessem 130 ou 150 anos, e até mais...

Hoje, com as novas doenças surgidas ou agravadas nas últimas décadas, com os vírus mutantes, com a traumática lembrança da recente pandemia disseminada a partir da China, e sobretudo quando se torna patente que uma ciência mal conduzida produziu, no campo industrial e tecnológico, todo um sistema que se volta contra a saúde humana, parece inacreditável que se acreditasse em mitos desse naipe. Mas é verdade. Posso testemunhar, como o velho Timbira, cantado por Gonçalves Dias:  “Meninos, eu vi!”.

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