ARTIGO

Tempo suficiente

Por Edson Rontani Júnior | 04/10/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O período de confinamento nos fez esconder e proteger do coronavírus. Para alguns, foi uma proteção que garantiu a vida. Para outros, um período enfadonho. Mas, foi o confinamento que me fez dedilhar estas linhas. A história não é de hoje, mas pode ser atual.

Estamos à beira de uma guerra nuclear. A história envolve um bancário que adora ler. Lê no café da manhã, lê durante o trabalho, lê no momento da folga ... Tem paixão em conhecer aquilo que a sabedoria humana transformou em palavras impressas. Seleciona os principais pensadores e debulha-se sobre as pequenas letras. Num certo dia, o bancário decide ler um livro no cofre do banco em que trabalha, o local mais tranquilo que ele encontrou. Lá dentro, ele sente uma explosão – estamos à beira de uma guerra nuclear, lembra? Ao sair, nota que nada mais existe além de escombros. Foi a hecatombe.

Feliz da vida, não se roga pela perda dos amigos. Não se abala. Fica contente pois tem “tempo suficiente” para ler todos os livros que quiser, sem ser incomodado, já que todos foram dizimados. Corre para a Biblioteca Pública – ela permaneceu em pé ! – e passa a selecionar os livros para amanhã, os livros para depois de amanhã, para a semana que vem ... e assim por diante.

“Ploft!” ... Sem querer, o bancário que era extremamente míope, pisa em seus óculos tipo “fundo de garrafa” quebrando-o. Não enxergava um palmo à frente sem eles ... “Tempo suficiente para o que, agora?”, diz.

A história é um conto escrito em 1953 por Lynn Venable, adaptada por Rod Serling em 1959 para o seriado televisivo “Além da Imaginação”. O bancário era vivido por Burgess Meredith que uma década depois tornou-se o Pinguim no seriado “Batman” e duas décadas após foi o treinador de Sylvester Stallone em “Rocky” (o primeiro). O episódio se chama “Tempo Suficiente”.

Na época, a televisão tornava-se um dos mais ágeis meios de comunicação. Adentrava aos lares, e competia diretamente com o cinema. O cinema exigia um certo ritual para ser consumido (roupa, horário, transporte, guloseima e ... ingresso!). A televisão chegava de graça. Com a “Guerra Fria” era esperada uma aniquilação imediata da raça humana. Muitas residências americanas possuíam bunkers subterrâneos esperando um ataque nuclear russo.

Mas isso não vem ao caso. Nosso personagem buscava o confinamento para fazer o que mais gostava: ler e aguçar sua imaginação. Hoje, a imaginação está na ponta dos dedos, no smartphone, na smartv ou no computador. Dar uma cutucada na imaginação retomou a preguiça já que tudo está aí, com fácil acesso.

O confinamento e o distanciamento social proporcionado na atualidade deixaria o personagem do episódio numa situação que ele almejava: preso em casa lendo os livros que quisesse.

Sempre é bom lembrar que como países abaixo dos trópicos, onde o calor marca presença inclusive no quente inverno que tivemos dias atrás, o brasileiro torna-se inquieto e não arreda o pé de ir a rua. Não há por que ficar em casa. Me lembro de uma conversa que tive com Alceu de Marozzi Righetto, secretário municipal da Ação Cultural, há uns 30 anos atrás: europeu e asiático se confinam involuntariamente em casa pois na maioria dos meses a temperatura chega próxima ou abaixo dos 10 graus negativos. Não há por que sair. Tem-se de ficar em casa e esperar a próxima onda de sol. No confinamento surgiram os grandes pensadores universais, intelectuais de renome, expoentes do pensamento universal. No Brasil, confinamento foi chato e “bater perna” não trouxe nenhum Nobel para nós.

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