ARTIGO

Índios e garimpeiros em Piracicaba

Por Edson Rontani Júnior | 19/09/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Jacarés infestando o Rio Piracicaba, índios tupis se atracando com os moradores ribeirinhos de Piracicaba, jagunços no Porto João Alfredo (atual bairro de Ártemis) e a Rua do Porto como centro regional de compra e venda de ouro. Assim era Piracicaba no ano de 1868.

Se isso não ocorreu na vida real, ao menos aconteceu no filme “Os Três Garimpeiros”, aventura de época filmada em Piracicaba em 1954 pelo diretor italiano Gianni Pons (em seu segundo filme brasileiro) através da Fama Film e da Produtores Independentes Ltda. A filmagem, ousada para a época, trazia astros de “O Cangaceiro” rodado dois anos antes e um dos poucos filmes pelo qual o Brasil ainda é conhecido internacionalmente, por ter recebido o prêmio de melhor filme no Festival de Cannes.

A sociedade parou para acompanhar os atores e as filmagens. Junto, aliava-se o crescimento industrial que a cidade apresentava além de ser um grande centro exibidor de filmes para cinema, possuindo na época de seis a oito salas. Por três meses, a produção foi o assunto nas rodas de conversa principalmente por trazer artistas como Alberto Ruschel, Milton Ribeiro, Adoniran Barbosa (estes três presentes em “O Cangaceiro”), Aurora Duarte e Hélio Souto (que décadas depois tornou-se conhecido pelas novelas da Rede Globo como “Locomotivas” e “Guerra dos Sexos”). O filme tinha tudo para dar certo. Elenco afinado, boa música (de Enrico Simonetti com canções de Tito Madi e Erlon Chaves), cenários naturais de grande beleza.

Os jovens corriam para assistir às filmagens e muitos até trabalharam de graça como figurantes. Ainda hoje é comum ver uma família citar que conhece alguém que tenha feito parte dos quase 100 figurantes desta produção. O cinema era a diversão da grande massa na época junto ao rádio. A tv, lançada dois anos antes, ainda era novidade. Entre estes figurantes estavam Brás Salles (sindicalista), Gregório Marchiori (advogado), José Cantarelli (fotógrafo), João Chaddad (arquiteto e vice-prefeito) e Francisco Andia (assistente de direção que depois fundou a Águia Filmes e teve uma rede de cinemas na cidade), entre tantos outros.

O diretor Gianni Pons queria realizar muitas cenas externas como forma de economizar cenário e Piracicaba oferecia isso. A produção e o elenco rodaram cenas nas beiras do rio Piracicaba, no Engenho Central, na Chácara Nazareth e na Usina Monte Alegre. Artistas se hospedaram no Grande Hotel (onde se encontra o Edifício Orsini).

“Os Três Garimpeiros” foi um dos oito filmes rodados no Brasil em 1954, ano em que se criou o “Cinema Novo” com “Rio 40 Graus” de Nelson Pereira dos Santos. Também foram rodados “A Carrocinha” com Mazzaropi além de obras de Adhemar Gonzaga, Watson Macedo e Carlos Hugo Christensen, ícones do cinema nacional.

Três meses de filmagem renderam 80 minutos de filme e histórias que as gerações ainda contam. O filme nunca mais foi exibido. Tem uma única cópia em 16 mm na Cinemateca do Estado de São Paulo.

A história seguia argumento de Teophilo G. P. Andrade e se passa na segunda metade do século XIX, quando estava em andamento da Guerra do Paraguai. O Império se vê acuado quando seu exército fica sem munição e armamento. O ouro-de-lei é a moeda para os traficantes de armas. Aí surge a busca pelos “três garimpeiros” através de uma missão do exército que pretende negociar a compra de ouro e adquirir os armamentos.

A atração durante as filmagens era a de ver ao vivo os galãs do cinema andando pelas ruas de Piracicaba. Cruzava-se nas ruas com Alberto Ruschel (tenente Alberto Prado), Aurora Duarte (como Branca), Milton Ribeiro (Gerônimo), Hélio Souto (Português), além de um grupo de apoio formado por Ricardo Campos (Delegado), Caetano Gherardi (Caetano), Tito Livio Baccarin (Hans), Uriel César, Demétrio Age, Paulo Aliberti, Lia Cortese, Alfred Simoney e os Índios Tapuias, grupo indígena que se apresentava em circos.

Hélio Souto, numa das festas da Usina Monte Alegre, conheceu Maria Helena Morganti, filha do comendador Pedro Morganti, motivando um casamento que durou 22 anos.

Sua finalização quase não ocorreu por falta de recursos financeiros. Vários aluguéis sequer foram pagos. Carroças, cavalos e outros itens eram emprestados. Até o roteiro deve de ser alterado. Na sua montagem notaram-se erros de seqüência. Usou-se o que estava disponível. O romance entre Ruschel e Aurora acaba não se concretizando pois no final ele parte com o ouro e ela permanece no vilarejo.

São vários erros históricos ou seqüenciais quem nem mesmo a presença do elenco estelar conseguiu desviar a atenção. Numa cena de incêndio, um dos figurantes pega uma lata estampando a marca Querosene Jacaré - lançado pela Esso nos anos de 1950. Em outra cena, dois cavalos pretos andam pela paisagem e de repente de outro ângulo se transformam em brancos. Existe também aquele personagem que após quase se afogar no rio deita-se na beira e pede água ou ainda um figurante com cabelo cortado e com brilhantina. Para um filme de época, isso é um erro grave. Se realidade ou folclore, não se tem certeza.

--------------

Os artigos publicados no Jornal de Piracicaba não refletem, necessariamente, a opinião do veículo. Os textos são de responsabilidade de seus respectivos autores.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.