Rendo graças, ainda agora, por ser de quando havia cumplicidade entre cronista e leitor. Era reconfortador. Pois o escriba percebia, então, não estar sozinho em seus sonhos ou pesadelos. Nem em suas fantasias e esperanças. Havia a compreensão de que almas dialogam. Não havia solidão. Acontecia, apenas, a solitude com o outro.
Tenho saudade. De Sumaré, uma leitora, de quando em quando – ou melhor: quase sempre – me telefonava. E perguntava: “Você consegue sentir daí o perfume das roseiras em flor?” Ou: “Olha, que entardecer mais lindo, está vendo?” E, de Campinas, uma adolescente me escrevia, garantindo-me conversar com uma estrelinha azul que eu dissera ser filha minha de um romance com a Lua. A estrelinha, através da jovenzinha, mandava-me recados. E eu respondia.
Ora, aprendi que, para se alcançar a sabedoria de viver, preciso é ser mágico. Exercer, pois, a magia. E exercê-la é imaginar. E, portanto, criar fantasias. Pois aquilo a que dão nome de realidade nada mais é do que construção alheia. Inventam modos de viver para que eu os viva, é suportável isso? Se converso com estrelas, com luares, plantas, bichos – ninguém tem nada a ver com isso. São questões íntimas. E, portanto, sagradas, intocáveis. Ora, louco, maluco, doido seria quem aceita viver o e no pesadelo ou aquele que inventa o seu próprio mundo? Quem inventa seu paraíso pessoal ou quem se conforma com o inferno?
Por falar em louco, vivo essa experiência desde a adolescência. Minha tão amada irmã Leninha – ainda viva, linda e lúcida nos seus mais de 90 anos – convenceu meus pais de este seu irmão ser maluco, doido de pedra. E meus pais, preocupados, acreditaram. E me levaram ao único psiquiatra então de Piracicaba, o famoso dr. José Leny Jardim. (Não esqueçamos que, por psiquiatra, entendia-se “médico para loucos”.)
O doutor convidou-me a sentar-me à sua frente e, por bom tempo, ficou olhando-me fixamente. Parecia tentar descobrir o que havia dentro de mim. E perguntou-me o que eu próprio achava estar acontecendo comigo. Ora, nada, caramba! Maluca devia ser minha irmã, colocando chifres em cabeça de cavalo. Mas o doutor insistiu: o que eu queria fazer, por que a preocupação de minha família? Respondi: “Doutor, eu apenas quero escrever. Quero tentar ser escritor, doutor Jardim!” E ele, soltando um suspiro: “Então, vá em frente. Enfrente tudo e todos e faça o que seu coração manda.”
Estou tentando até hoje. Mas a vida é uma história que se repete. Pois, agora, não é mais minha irmã querida quem me persegue. Sou vítima confessa de cinco filhos, dos quais quatro mulheres! E o grande detalhe: sou órfão de mãe e estou solteiro! Reconheço-me privilegiada ilha cercada de gente querida por todos os lados. De certa forma, porém, ainda que agradavelmente, sinto-me prisioneiro. “Pai, faça isso; pai, não faça aquilo; não esqueça dos remédios; alimente-se melhor.” Qual a diferença, pois, entre um idoso e uma criança?
A preocupação da moçada, agora, é com a “ansiedade”. E a decisão unânime: “Tem que ir ao médico!” Uma sugere psiquiatra. Outra, um geriatra. Por que não um psiquiatra-geriatra? Ou um geriatra-psiquiatra? Tento sugerir, mas me calo. Cada vez mais, desconfio de a vida ser, também, uma incrível comédia. Parece zombar das pessoas. Ora, eu é que levava minha criança a pediatras, a médicos, às escolas. E, agora, minhas crianças querem levar-me a geriatras? Parece gozação.
Meu pai, se eu falasse em ansiedade, teria, de imediato, a solução: “Vá cortar cana que isso passa.” Mas, aqui entre nós: uma namoradinha também ajudaria, não?
--------------
Os artigos publicados no Jornal de Piracicaba não refletem, necessariamente, a opinião do veículo. Os textos são de responsabilidade de seus respectivos autores.