ARTIGO

Sangue, petróleo e futebol

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

Não, eu não entendo de futebol. Mal sei quando é pênalti ou escanteio, sempre me confundi com a regra básica do impedimento e achava que “VAR”, até um tempo atrás, era apelido para um juiz do campeonato de várzea chamado Nivardo.

Eu não me interesso por futebol, mas dentro desse universo há muito mais do que se falar sobre temas socioeconômicos, políticos e culturais do que o esporte em si.

Faça um teste: entre em um site especializado em notícias esportivas e veja o que aparece por lá.

Entre os resultados óbvios você vai encontrar atualizações sobre prisões de jogadores acusados de abusar de mulheres, casos de racismo de torcedores contra jogadores negros e as faturas milionárias das transferências de jogadores, principalmente entre times da Europa e, agora, mais recentemente, da Ásia.

Isso porque a Arábia Saudita, o paraíso do petróleo, resolveu investir no futebol como forma de tentar melhorar sua imagem ao redor do mundo. Afinal, o país é dominado por uma ditadura sanguinolenta e cruel.

Tal investimento esportivo vem diretamente do governo saudita e mira, principalmente, na contratação de estrelas máximas que atuam em times europeus.

Um dos primeiros a aceitar uma proposta ultra milionária dos árabes foi Cristiano Ronaldo, que foi contratado em janeiro para atuar no Al-Nassr por R$ 1 bilhão por ano

Mais recentemente foi Neymar quem aceitou o convite, deixando o contrato com o PSG, que duraria até 2027.

Ele vai receber R$ 1,7 bilhão – uma média de R$ 2 milhões por dia. A curiosidade é que, por contrato, ele se torna um garoto-propaganda do país e precisa fazer posts nas redes sociais falando positivamente sobre a Arábia Saudita.

Também não é preciso ser especialista em futebol para entender como a biografia do jogador, considerado por muitos na Terra Brasilis como “herói”, está manchada!

Já mostrei aqui nesta coluna o quanto os jogadores milionários parecem cada vez mais querer alcançar patamares megalomaníacos de contratos, fazendo deles uma espécie de competição de quem ganha mais - ou quem vale mais.

Isso talvez faça Ronaldo e Neymar fecharem os olhos para o que acontece na Arábia Saudita enquanto assinam seus contratos.

O país é comandado pelo rei Salman e seu filho, o príncipe Mohammed bin Salman, que também é primeiro-ministro do país, em uma ditadura sanguinária que leva à tortura, prisão e à morte a todos que tentem se manifestar, mesmo que pacificamente, contra o regime.

Moradores são submetidos a despejos forçados, trabalhadores migrantes são explorados, além disso há uma perseguição constante contra as mulheres. O país também criminaliza a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo e a expressão de gênero de pessoas trans.

Um dos momentos mais chocantes da Arábia ocorreu em 2018, quando Jamal Khashoggi, um jornalista crítico do regime saudita, foi assassinado. Khashoggi escrevia para o jornal The Washington Post e era considerado uma ameaça à Arábia Saudita.

O crime bárbaro ocorreu no consulado da Arábia Saudita em Istambul. Os relatos das investigações, divulgados pela mídia, são impressionantes. Ele foi mutilado ainda vivo e seu corpo desmembrado antes de ser descartado como lixo.

Segundo a CIA, que investigou o caso, tudo foi ordenado pelo príncipe e primeiro-ministro da Arábia Saudita, o mesmo que agora paga altos salários para jogadores de futebol divulgarem seu país.

Será que Cristiano Ronaldo e Neymar conhecem a fonte de suas futuras fortunas? Estariam eles cientes de quão sujo de sangue estão os milhões que receberão?

Seria impossível que esses futebolistas bilionários não tenham essas e outras informações sobre o país e o governo com os quais escolheram apertar as mãos ou estão cegos pela cobiça extrema que assola o mundo das chuteiras?

E vocês? Ainda teriam coragem de chamá-los de heróis?

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