ARTIGO

Mercado de Pulgas

Por Armando Alexandre dos Santos |
| Tempo de leitura: 4 min

Tenho em mãos, e estou saboreando aos poucos, gota a gota, um precioso livro que me foi mandado pelo mestre e amigo Renato Alessandro dos Santos, que conheci como coordenador do curso de Letras do Centro Universitário Claretiano, de Batatais e é, atualmente, professor do Centro Universitário Moura Lacerda, de Ribeirão Preto. Renato tem mestrado em Letras e doutorado em Estudos Literários pela UNESP de Franca.

O livro que me ofereceu intitula-se “Mercado de Pulgas: uma tertúlia na Internet”, tem 270 páginas e foi lançado pela Editora Multifoco, do Rio de Janeiro. Nele, encontra-se reunida uma seleção de postagens sobre assuntos literários, que seu autor foi postando anos a fio em suas redes sociais da internet.

Durante muito tempo, desde meados do século XIX até certa altura do século XX, debateu-se muito se Literatura era algo possível de existir na velocidade - que àquele tempo parecia já vertiginosa - da produção de textos jornalísticos. A pressa com que se devia, a cada 24 horas, fechar a edição de um jornal, seria compaginável com as nobres lentidões da elaboração literária, que durante milênios se firmara como assente? A produção quase em série de textos, numa velocidade que fazia lembrar a famosa linha-de-montagem fordiana, poderia permitir um burilamento e um controle de qualidade sobre o que se escrevia e rapidamente se imprimia?

Por outro lado, a rapidez extrema com que, no jornalismo impresso, as novas notícias envelheciam e se desatualizavam, fazia com que também dificilmente um texto pudesse ser apreciado, reapreciado, saboreado aos sorvos (mais ou mesmo como quis fazer com o livro do Renato) e, assim, adquirissem certo caráter de permanência e atemporalidade, indispensável para que pudesse ser, em algum tempo, mimoseado com o prestigioso e ambicionado epíteto de “clássico”.  As produções escritas tornavam-se, por força das circunstâncias, efêmeras, quase descartáveis, e isso parecia não combinar, de modo algum, com o que sempre se entendera por literatura.

No entanto, nas entranhas mesmo desse impiedoso processo produtivo tão compressor e massificador, curiosamente estava sendo gestado um gênero literário novo, típico da época e que hoje já se encontra inteiramente assimilado e reconhecido nos moldes da literatura. Refiro-me à crônica, gênero de texto rápido, diário, ambíguo e polivalente, que diz tudo e nada diz, que, quando bem feito, atrai e convida à reflexão e à crítica, e que tem, ademais, o condão de quase viciar um leitor. Quem conseguia, nos velhos tempos, abrir o Estadão (hoje tão decadente!) sem procurar logo as deliciosas crônicas diárias de L. M. (Luís Martins), sucessor de outro brilhante cronista que, no passado, marcara época e deixara saudades, V. Cy (Vivaldo Coaracy)? E não nos esqueçamos de que Carlos Drummond de Andrade e Paulo Bomfim não foram somente poetas, foram também cronistas de excelente nível. Pessoalmente, até acho Drummond melhor cronista do que poeta.

Hoje, a crônica constitui um gênero literário inteiramente aceito. Desde 2011, o Prêmio Escriba, da Prefeitura Municipal de Piracicaba, contemplou essa categoria literária, que desde então vem se alternando, ano a ano, com as de Poesia e Contos. Foi uma sugestão minha essa inovação, e com alegria e surpresa foi aceita sem resistências... Imaginei que houvesse reações, mas não houve. Os estudos preliminares foram feitos pela equipe da então secretária da Ação Cultural, Profa. Rosângela Camolese, uma lei municipal chancelou a ideia e o Prêmio Escriba de Crônicas se tornou uma realidade. A poetisa e escritora Ivana Maria França de Negri foi a piracicabana mais bem colocada na primeira edição do concurso.

Quando começaram a se generalizar os blogs, também não faltaram pessimistas que viram, na novidade, o toque de finados para a Literatura. A velocidade vertiginosa dessas publicações on-line lhes parecia, realmente, de todo em todo incompatível com a serenidade que habitualmente se espera de um sisudo e bem comportado profissional das Letras...

Pois o meu amigo Renato, grande mestre nas lides literárias, de modo não sisudo, mas brincalhão e bem-humorado demonstra com seu livro que, mesmo nas velocidades espantosas do teclado e da cibernética também é possível escrever com talento, com bom gosto, com profundidade de pensamento e de análise.

Seu livro é manifestação evidente disso. Nele lemos contos, crônicas, textos poéticos, entrevistas, análises futebolísticas (esqueci de dizer que o Santos Futebol Clube é, quase, a religião do Renato...), comentários cinematográficos (outra grande paixão do autor), considerações sobre Gastronomia e Culinária, sobre Música, sobre Literatura (que afinal de contas é a especialidade do autor). E, dando um charme especial ao conjunto, alguns textos tocantes sobre seu filho Théo e sobre a grande mulher e mãe exemplar que é sua esposa Sílvia Renata.

Detenho-me por aqui, convidando o leitor a procurar na Internet o próprio site do Renato, ou a encomendar, à editora Multifoco (Av. Mem de Sá, 126, CEP 20230-152, Rio de Janeiro-SR), um exemplar do livro.

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