ARTIGO

Oppenheimer e Fabelmans

Por Edson Rontani Júnior | 09/08/2023 | Tempo de leitura: 4 min

O desconcertante som do tragar o charuto de John Ford mexe e instiga com o silêncio que reina. Mexe também com a dúvida de Burt Fabelman. “O que você vê ali? O horizonte? Se está acima, o horizonte é interessante, se está abaixo também é interessante”, diz Ford (vivido pelo diretor David Lynch) em “Os Fabelmans”. Conclui que, se o horizonte está no meio, é normal, trivial, comum, sem sentido ... “Chato prá cacete”, diz ele. John Ford foi um dos mais icônicos cineastas norte-americanos numa carreira de quase 70 anos com filmes que vão de “Nos tempos das diligências” a “O homem que matou o facínora”, entre tantos outros.

“Albert Einstein? Ele era bom no tempo dele, 20 anos atrás ...”, diz Robert Oppenheimer, no filme que relata a vida do criador da bomba atômica que acabou com Nagasaki, Hiroshima e a Segunda Guerra Mundial. “Mas quem soltou a bomba fui eu, ninguém se lembrará de você”, disse a ele o presidente Harry Truman (vivido por Gary Oldman).

O cinema busca com estas duas obras superar a si mesmo. Cem anos atrás, Fritz Lang era “a bola da vez” com filmes como “Metrópolis”. Alfred Hitchcock, depois, virou o “mestre do suspense” sendo um autor “fora da curva”, mas com a retórica de sempre: o homem errado levava a culpa por algo que não cometeu. A premissa está em maioria das suas obras. Depois vieram tantos outros que enxergaram o horizonte acima ou abaixo ou que superaram as ideias de Einstein, Edison ou Tesla. “Com isso estragamos o mundo”, confessa Oppenheimer a Einstein, que sai emburricado.

“Os Fabelmans” e “Oppenheimer” tomam quase seis horas de atenção do expectador, seja na telona ou no streaming. O primeiro é a mais recente obra de Steven Spielberg, depois de um interessante, mas apagado “Amor, Sublime Amor”. É um filme para quem entende e gosta de cinema. Basicamente é sua biografia quando criança e adolescente, na qual ele retrata seu amor pelo cinema e as agruras em ser judeu. Seus pais não viam futuro no cinema. Mas, foi realizando filmes em casa, na bitola 8 milímetros que ele enxergou além do horizonte e descobriu a traição da mãe com o melhor amigo do pai. Fez até um filme com estes melhores momentos e o exibiu no escuro do seu closet para uma plateia seleta: sua mãe, protagonista da obra (e da traição). Em pouco mais de duas horas e meia, Spielberg fala do relacionamento humano, do crescimento de um sonho de criança que mexe não apenas com a fantasia através do cinema, e também enxerga além do horizonte. Esse sim é um cara de visão. Ficou milionário, criou linguagens imaginárias com o fantástico (“E.T.” ou “Inteligência Artificial”, por exemplo) e conseguiu calar a boca dos pais que o viam, quando fazia cinema, estar apenas matando o tempo.

Robert Oppenheimer era um desastrado e desatencioso quando jovem. O filme que leva seu nome é uma biografia maçante, utilizando um enredo detalhadíssimo sobre o pai da bomba atômica, durante a Segunda Guerra Mundial. Estranho é Robert Downey Júnior (o Tony Stark / Homem de Ferro) como o ancião almirante Lewis Strauss. Trata-se de uma obra para a qual deve-se entender o que foi a “Guerra Fria” entre Estados Unidos e União Soviética e, antes de mais nada, é preciso compreender o que foi a “Caça às Bruxas” coordenada pelo senador Joseph McCarthy. Se você pensa que verá explosões, nazistas ou ação à lá Marvel, esqueça .... É um filme muito bem pontuado pela trilha e efeitos sonoros, o qual necessita de acompanhamento histórico e esforço cerebral para entender tantas idas e voltas, numa sequência frenética de flash backs. Peca a obra ao final (faltando 20 minutos para acabar – depois de quase 2h40 minutos), quando vemos o próprio Almirante e outros personagens elucidando o caso numa sucessão frenética desnecessária, como se lembrasse o “Sherlock Holmes” (olha aí Robert Downey Jr. de novo) ou que nos remete ao final de “Assassinato no Oriente Express”. Aliás, Kenneth Branagh, diretor mais recente desta obra de Agatha Christie, também está em “Oppenheimer” como Niels Bohr e, como sempre, impecável. Aliás, Christopher Nolah, seu diretor, é uma das mais novas revelações da década atual e impressiona a cada produção desde a trilogia Batman, passando por “Interestelar” e “Dunkirk”.

“Falbemans” e “Oppenheimer” são obras distintas. Uma feita em 2022 e outra estreada há cerca de 15 dias. São para públicos diferentes. Decepcionantes? Sim e não. Deve-se saber o que esperar quando o objetivo é assistir à um filme biográfico. É preciso conhecer a situação histórica e a(s) personalidade(s) retratada(s). O segundo foi páreo para “Barbie” (sem comentários ...) chegando a superar bilheterias ao redor do mundo. Tirou a luz do novo “Indiana Jones” – que já saiu de cartaz – e era esperado pelos marmanjões que outrora foram aos cinemas e às locadoras de VHS. Mas ambos valem como o despertar de algo que transcende a cada dia: olhar para além do horizonte.

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