É preciso considerar o cristianismo a partir de suas duas dimensões fundamentais, que são também inseparáveis: o seu conteúdo doutrinário, relacionado com a perspectiva da revelação transcendental e o seu aspecto ético, vinculado à compreensão política que se desdobra de seus ensinamentos. O Movimento de Jesus, por um lado, é portador da Boa Notícia, que é a Salvação. Por outro lado, traz, em seu bojo, um novo projeto para as relações humanas e a vida em sociedade. Isso significa que o cristianismo é uma religião, mas é também a base para uma outra forma de organização político-social.
Longe de qualquer pretensão teocrática, de uma prática de poder não democrática e participativa, o cristianismo é portador de uma profunda compreensão religiosa, que abarca a singularidade das escolhas existenciais, definindo os valores da vida cotidiana, mas que também incide sobre a maneira de se organizar economicamente a distribuição dos bens produzidos e a forma de se exercer o poder na sociedade. O Movimento de Jesus ensina que a visão religiosa, a relação com a Transcendência deve guardar, coerentemente, um vínculo direto e estreito com a maneira de se viver em sociedade. Os princípios cristãos devem se constituir como base estruturante, como referência inegociável para todas as demais relações tecidas no interior da sociedade, principalmente as de âmbito político e econômico.
Como religião o cristianismo é portador de uma revelação extraordinária, fundada em uma concepção genuína e radical de Deus, que se manifesta como amor, misericórdia e salvação. Em Jesus Cristo, Deus entra na história e faz o caminho existencial, estabelecendo um vínculo profundo com a humanidade. A encarnação e a ressurreição são as marcas que apontam e instauram uma outra e nova relação ente Deus e o ser humano. A salvação anunciada pelo cristianismo passa pela capacidade de desprendimento pessoal, em uma existência de amor incondicional e de serviço ao próximo.
Do ponto de vista ético, o cristianismo representa também uma forma de se viver no mundo e de se relacionar com o outro, que deve ser sempre considerado como um irmão. A sociedade deve espelhar os princípios e valores próprios da ética cristã. Isso significa que a ordem social e econômico, em coerência com a verdade cristã, devem estar fundadas nos princípios de comunhão, solidariedade e fraternidade. Fora disso, o cristianismo se tornaria uma mera abstração, uma concepção fraca e vazia, sem impacto sobre a realidade. O Movimento de Jesus se constituiu, justamente, no enfrentamento da tensão entre a fé em Deus e a dinâmica das relações políticas. Fé e prática política são inseparáveis, sendo a fé cristã a referência para se fazer a luta política, visando a construção de uma ordem social pautada na justiça.
Não é possível ser discípulo de Jesus, atento aos seus ensinamentos, e viver em paz em um mundo marcado por tantas e graves situações de opressão e exploração. O cristão nunca poderia ficar indiferente ao sofrimento do outro, tal postura seria, no mínimo, incoerente com a verdade revelada por Jesus. Qual o modelo de organização política, social e econômica que mais se aproximaria dos elevados ensinamentos apresentados pelo Movimento de Jesus? De fato, o mundo capitalista, demarcado por tantas expressões de violência, de violação de direitos fundamentais, pelo machismo e misoginia, pelo racismo, por toda sorte de preconceitos, pela destruição do meio-ambiente definitivamente não pode ser cristão.
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