Era um belo dia de calor quando decidimos entrar na piscininha de plástico que tinha lá no quintal de casa. Botei a minha sunguinha que tinha estampado o mapa mundi enquanto minha irmã usava seu biquininho amarelo, que sempre fazia ela pagar peitinho. O que não era de fato um peitinho, afinal éramos crianças.
Na bagagem para as brincadeiras na água estavam bóias, barquinhos, carrinhos, bichinhos diversos e, claro, a inesgotável coleção de Barbie da minha irmã.
Não que ela tivesse muitas, afinal, nos anos 1990, as Barbies já eram bem caras. Mas minha irmã era meio viciada na boneca loira de olhos azuis, estereótipo que era praticamente seu espelho.
Lembro de, certa vez, por não ter ganhado uma Barbie em uma ocasião especial, a mana chegou a ser internada com lombriga – sim, as avós sempre estiveram certas sobre o verme que cresce dentro da gente quando passamos vontade e minha irmã é prova disso.
Mas o fato é que, naquela tarde quente de verão, eu não estava interessado em brincar de barquinho ou carrinho, meu negócio mesmo era mergulhar as Barbies peladas na água como se fossem sereias, vendo os cabelos esvoaçantes balançando para lá e pra cá, embaixo da água.
Eu fazia aquelas bailarinas marítimas de plástico saltar, rodopiar e voar, mergulhando profundamente ou boiando de olhos esbugalhados e pernas abertas.
E, claro, tinha o Ken também. Quem me dera ter aquele físico malhado e rosto quadrado, pensava eu. Na época, era como se eu tivesse inveja da beleza do boneco. Hoje, reconheço que já se tratava de uma certa atração.
Eis que de repente, não mais que de repente, uma turma de vizinhas futriqueiras aparece no telhado da casa ao lado e assiste àquela criança, toda brejeira, brincando de Barbie na piscininha do quintal como se não houvesse o amanhã.
Não demorou muito para o coro das descontentes começar, uníssono: “Mariquinha, Mariquinha, Mariquinha”...
Eu, como uma inocente criatura que era, não reconheci aquela nomenclatura ofensiva e nem seu significado, muito menos o que de fato estava errado com a cena daquela criança viada brincando de Barbie.
Ora, pois, se minha irmã podia ter uma coleção daquelas belas bonecas padronizadas, por que raios eu não poderia brincar com elas?
Acenei para minhas amiguinhas (e rivais) e voltei a mergulhar as pobres bonecas naquela água que, provavelmente, já se misturava em urina infantil.
Quando criança, sempre achei os brinquedos femininos mais atraentes que os masculinos. Carrinho, bola, soldados de chumbo… era tudo cinza, verde e preto, sem graça.
As bonecas eram coloridas, vibrantes, cheias de vida. A Barbie, por mais problemas de padrão estético que causou na vida das meninas, era, sobretudo, feliz. Uma felicidade American way of life, mas mesmo assim.
Tinha uma casa maravilhosa, um carro rosa e até uma motoca que, se lembro bem, minha irmã também tinha – genérica ou não!
Só fui sentir a sensação de ter brinquedos legais como menino quando descobri o Playmobil. Certa vez, já com minha viadeza dando as caras, pedi aos meus pais a Casinha do Playmobil, que vinha toda cheia de firulas e até mesmo com uma família – incluindo uma dona de casa e seu bebê.
Talvez por perceber que não era lá algo para um garoto, eles me deram o posto de gasolina do Playmobil. Eu gostei, mas voltei a pedir a casinha de presente, dessa vez de Natal. Eles não tiveram como negar.
Engraçado como há um julgamento todo excessivo sobre com o que crianças – meninos e meninas – devem brincar ou não.
A imaginação infantil é uma viagem. Não há certo ou errado, azul ou rosa, boneca ou carrinho. A gente acredita em bicho papão, Papai Noel, Peter Pan e Vovó Mafalda. Sem preconceitos ou receios.
Para que tirar isso de um serzinho que logo menos vai encaretar e ver o mundo preto e branco como os chatos dos adultos?
Então calma, gente, era só uma Barbie!
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