ARTIGO

Os dez anos das ‘Jornadas de Junho’

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

Rever a história das chamadas “Jornadas de Junho” de 2013, hoje em dia, parece um filme estranho que muita gente -- e eu incluso -- não consegue entender direito.

Neste mês, completam-se dez anos em que o Brasil viu um protesto local contra o aumento de 20 centavos no preço do transporte público de São Paulo se tornar uma incontrolável manifestação generalizada.

As marchas de grupos pequenos do Movimento Passe Livre, que sonhavam com o utópico transporte gratuito, foi ganhando corpo e recebendo cada vez mais adeptos -- cada qual com sua pauta.

No decorrer dos dias, o grito mais forte passou a ser: “não é só pelos 20 centavos”, onde o alvo principal acabou se tornando o governo federal, do Partido dos Trabalhadores.

Em Piracicaba não foi diferente. Eu trabalhava como repórter de Cidades no JP naquele junho de 2013. Na época, acompanhamos o movimento local denominado “Pula Catraca”, que pelo menos desde janeiro daquele ano já se manifestava contra o aumento das passagens, sempre de forma pacífica.

Mas assim como no resto do país, as manifestações do “Pula Catraca” acabaram ganhando novos membros da sociedade, que se espelhavam no que estava acontecendo na capital paulista, como em uma onda de revolta. E isso incluía a participação de quem aproveitava aquela muvuca toda para atear fogo em ônibus, destruir fachadas de bancos e saquear lojas.

Em 25 de junho daquele ano, a redação do JP se preparou para fazer a cobertura do que era esperada ser a maior manifestação de rua da cidade. O que de fato foi.

Praticamente, todos os repórteres da editoria de Cidades foram escalados, assim como os fotógrafos. Lembro da sensação de frio na barriga de não saber direito o que iríamos encontrar pelas ruas.

Enquanto um tinha como objetivo ver o lado político da manifestação, entrevistando líderes dos movimentos e as autoridades locais, outros ficaram em contato com a polícia, para tentar identificar os pontos mais críticos do ato.

Eu acabei me infiltrando na multidão para saber o que queriam tanto aquelas pessoas. Confesso que por um primeiro momento a manifestação me emocionou. Lembro da imagem de centenas de pessoas ocupando a ponte Irmãos Rebouças, entoando hinos como “Brasil”, de Cazuza, e “Tente Outra Vez”, de Raul Seixas.

Pessoas de classes sociais totalmente diferentes, de idades diversas. Do hippie vestindo sandálias de couro à damas de salto alto. O clima era de festa… mas uma festa estranha.

As pessoas não sabiam direito o que queriam. Os discursos eram vagos. Acho que foi a primeira vez que ouvi alguém dizer que era “contra tudo isso que está aí”.

A caminhada teve fim bem no centro de Piracicaba, onde dezenas de policiais esperavam em frente ao Terminal Central de Integração. Nesse momento, lembro de estar ali perto entrevistando alguém quando comecei a ouvir pedras batendo na lataria da fachada do terminal, bem onde os policiais estavam.

Foi questão de segundos até começarem os primeiros tiros de borracha e bombas de gás lacrimogêneo.

Nós, repórteres que faziam cobertura, de jornais diferentes, corremos todos atrás de um carro e, com meu caderninho de capa dura, tentava me proteger de uma eventual bala de borracha ou pedra perdidas.

Ao sair de lá para seguir de volta à redação ainda vi muitas lojas saqueadas, vidros quebrados e uma multidão tentando escapar daquele caos.

As “Jornadas de Junho”, analisadas com o passar do tempo, mostram como protestos que basicamente estavam à esquerda do PT (com partidos como PCO na liderança) acabaram culminando, anos depois, no impeachment de Dilma Rousseff (2016) e elevando a extrema-direita, com a eleição de Jair Bolsonaro (2018).

A conexão entre todos esses fatos ainda é amarga para muitos que participaram daqueles atos e que hoje perceberam quanta ingenuidade também caminhava junto com os manifestantes.

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