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A “carreira militar” do Padroeiro de Piracicaba

Por Armando Alexandre dos Santos |
| Tempo de leitura: 4 min

O dia 13 de junho é feriado municipal em Piracicaba. Nele se comemora a festividade litúrgica do padroeiro de nossa cidade, Santo Antônio de Lisboa (na tradição luso-brasileira), ou de Pádua - designação italiana que, devido ao grande número de religiosos italianos que para cá vieram após a proclamação da República, acabou se tornando mais divulgada no Brasil. De fato, Santo Antônio nasceu em Lisboa, por volta de 1195 e faleceu nas proximidades de Pádua, na Itália, em 1231.

Piracicaba não é a única cidade que tem o Santo português como seu patrono. Há dezenas de outras na mesma condição, entre as quais Juiz de Fora (MG), Campo Grande (MS), Bento Gonçalves (RS), Curvelo (MG), Volta Redonda (RJ) e Barbalha (CE). Todas essas, e muitas mais, se colocaram oficialmente, mediante dispositivos da legislação municipal, sob a proteção do mesmo Santo Antônio.

O folclorista Luiz Câmara Cascudo (1898-1986) estimou que no Brasil inteiro cerca de 70 localidades incorporavam o nome de Santo Antônio em suas designações. Uma discípula de Câmara Cascudo, Laura Della Mônica, professora de Folclore na PUC de Campinas, chegou em 1973 a dados mais precisos, documentando a existência, no Brasil, de 65 cidades ou distritos, 7 rios, 7 cachoeiras, 2 ilhas e 5 serras com o nome do santo.

De acordo com dados oficiais da Igreja Católica, há no país cerca de 550 igrejas com sua invocação; só na Arquidiocese de São Paulo são 16 as paróquias de Santo Antônio; na Diocese de Piracicaba há 3 paróquias (inclusive a da Catedral) erigidas sob a invocação de Santo Antônio, além de 14 capelas a ele consagradas.

Na piedade dos brasileiros sem dúvida Santo Antônio é o segundo mais popular, vindo logo depois de Nossa Senhora. O que pouca gente sabe é que esse santo tão popular e milagreiro também desenvolveu, no Brasil, uma brilhante “carreira militar”. É entre aspas que deve ser grafada a expressão “carreira militar”, porque na sua vida real Santo Antônio nunca exerceu atividades militares. É verdade que ele “combateu o bom combate”, de acordo com a expressão do Apóstolo São Paulo na 2ª. Epístola a Timóteo (4,7), mas somente o fez no sentido espiritual, por sua pregação e seu ensinamento, nunca de armas na mão.

A “carreira militar” de Santo Antônio se realizou “post mortem”, de modo muito curioso. O Embaixador José Carlos de Macedo Soares publicou, a esse respeito, uma obra clássica muito rara, que durante décadas desejei comprar e somente há poucas semanas encontrei num sebo e adquiri. Chama-se “Santo Antonio de Lisboa, militar no Brasil” (Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1942).

Baseado em sólida documentação em fontes primárias (às quais teve facilidade de acesso), o autor documenta a trajetória do Santo como praça e como oficial das tropas brasileiras. Explica-se o fato. No Brasil, como também em Portugal e na Espanha, se estabeleceu o costume de invocar Santo Antônio em situações difíceis, quando a paz pública se via ameaçada por adversários poderosos e perigosos. Uma vez obtida a vitória, em agradecimento ao Santo por sua participação na luta, as autoridades públicas militares e civis lhe atribuíam um posto militar honorífico. E, ademais, se comprometiam a pagar religiosamente o soldo devido a um militar daquela patente à igreja de Santo Antônio, ou ao convento franciscano mais próximo. Esse dinheiro se destinava, geralmente, à manutenção do culto ou era aplicado pelos franciscanos em caridade, ajudando os pobres.

Esse costume, por mais estranho que possa parecer em nossos dias, era muito praticado em todo o Império luso e inclusive o foi no Brasil. Daí o fato, documentado por Macedo Soares, de Santo Antônio ter desenvolvido “carreiras militares” paralelas, ocupando ao mesmo tempo postos de diferentes níveis, em Portugal e em várias capitanias do Brasil. Daí, também, surgiu o costume, ainda conservado em algumas igrejas antigas, de a imagem do Santo estar, nos altares, adornada com as insígnias militares do seu posto, com as dragonas correspondentes e, às vezes, até com a espada.

Em Portugal, Santo Antônio ingressou nas “atividades militares” como soldado raso, mas depois disso foi sendo sucessivamente promovido e afinal, já no início do século XIX, atingiu o generalato, porque obteve, com suas orações, a vitória das armas portuguesas contra os franceses que por ordem de Napoleão haviam invadido o Reino. Isso se deu na importante batalha do Bussaco, travada em 1810.

No Brasil, Santo Antônio “lutou” na guerra de libertação de Pernambuco contra a invasão holandesa e também atuou em defesa do nosso território quando, no século XVIII, ocorreram tentativas de invasões francesas. Foi subindo gradualmente de posto e obteve afinal a patente de Tenente-Coronel, que lhe foi conferida em 1814 pelo Príncipe Regente D. João. Foi esse o posto mais alto que o Santo adquiriu no Brasil. O soldo correspondente lhe foi regularmente pago durante todo o Império e nas primeiras décadas do regime republicano. Há documentação de que deixou de ser pago somente em 1911. Treze anos depois, no ano de 1924, o Presidente Artur Bernardes assinou um despacho passando Santo Antônio para a reserva do Exército brasileiro. E como oficial superior na reserva permanece ele até hoje. Depois de uma brilhante “carreira militar” de quase 300 anos.

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