ARTIGO

Minhas memórias com Rita Lee (pt 3)

Por Rubinho Vitti | 27/05/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Se na adolescência eu andava fazendo economias, gambiarras e tramóias para completar minha coleção de CDs e LPs de Rita Lee, além de recortes de jornais e revistas, no início da vida adulta o desafio era mesmo conseguir grana para ir aos seus shows.

Aos 50 e poucos anos de vida, Rita estava na ativa, fazendo projetos e turnês que percorriam todo o Brasil.

Os shows mais constantes e próximos de mim eram na capital paulista que, entretanto, eram também os mais caros.

E lá estava eu, juntando as moedinhas do estágio e da monitoria que fazia na faculdade para bancar viagens e ingressos, sempre com muitos perrengues, é claro.

Logo aprendi uma técnica ousada para economizar, utilizada pelos fãs que frequentavam temporadas inteiras, de quinta a domingo, em grandes casas de apresentações em São Paulo.

Era muito simples: comprávamos os bilhetes mais baratos e ficávamos de olho nas mesas VIP, aquelas mais coladas ao palco. Geralmente, elas são reservadas a celebridades e convidados, que nem sempre comparecem ao evento.

Quando a luz se apagava e o espetáculo estava para começar, nós íamos sorrateiramente até as mesas vagas como se fôssemos nós os portadores dos ingressos das tais.

Se os convidados chegassem após o show ter iniciado, acabavam sentando ao fundo, já que se fossem à frente para reivindicar seus assentos perdidos atrapalhariam o andamento da apresentação.

Assim, nós, os ladrões de mesas VIP, assistimos a vários shows de Rita Lee de camarote, pagando um terço do valor do ingresso. Tinha fãs que se muquiavam até mesmo embaixo das mesas para ficar mais pertinho da ídola. Claro que Rita percebia e brincava com a gente.

Certa vez, fizemos o mesmo procedimento e invadimos uma mesa bem em frente ao palco. Para disfarçar, pedimos uma tábua de frios e um balde de cervejas, a fim de que ninguém percebesse a invasão. Eis que uma moça que trabalhava na produção da casa veio até nós e perguntou:

-- A Hebe vai sentar aqui com vocês?

E minha amiga prontamente respondeu:

-- Não!

A moça se retirou e nós todos ficamos pálidos, gelados, suando frio.

-- ROUBAMOS A MESA DA HEBE CAMARGO!

Nisso, lá de longe, percebemos uma chuva de flashs vindo em nossa direção. Era Hebe cercada de fotógrafos. Naquele momento, faltava o coração sair pela boca e na minha cabeça só pensava que seríamos expulsos do local por tamanho crime.

Na minha memória, Hebe passou por nós em câmera lenta, com uma bengalinha e um vestido longo preto reluzente, como sempre chiquérrima e ladeada de jóias, linda de viver. Mas ao invés de reivindicar seu assento em nossa mesa, sentou-se em uma cadeira improvisada bem ao nosso lado.

Nesse momento, uma parede de fotógrafos se formou em nossa frente e flashs e mais flashs eram lançados em nossa direção como raios em dias de tempestade.

Foi a oportunidade que eu tinha de tirar também minha antiga máquina de fotografar com rolo de filme do bolso. Eis que ela vira-se de sopetão, olha para nós e diz: “Não aguento mais esses flashs…” no mesmo momento em que acionei o botão da máquina e meti mais um estrondoso raio de luz em sua cara.

Ela olhou diretamente para o fundo dos meus olhos como quem diz “até tu?”. Envergonhado, pedi desculpas e ela, daquele seu jeito meigo, remexeu os dedos cheios de anéis e disse: “tá tudo bem”.

Hebe se divertiu com Rita, que parecia estar fazendo toda aquela apresentação só para Hebe. Essa, esbanjava alegria com sua gargalhada única. “Que maravilha, esplêndida, aplausos!", repetia a todo momento.

No finzinho do show, Hebe ainda subiu ao palco com Rita para cantar “Só de Você”, canção que adorava e chegou a gravar em um de seus poucos álbuns.

Sem saber direito a letra, pediu ajuda para nós que, cantando com ela, conseguimos também fazer parte do espetáculo.

Foram inúmeros shows com mesas vazias roubadas e corações cheios de amor, assim como nossos diários, cada vez com mais capítulos dessa aventura.

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