Um ano após a contratação no Banco Nacional, consideravam-no veterano, apesar dos 18 anos — e, com isso, davam-lhe a prerrogativa de inventar brincadeiras e trotes com os novatos. Descontraído e bem humorado, sua veia artística mostrava-se evidente. Foi na agência bancária na Praça José Bonifácio, em Piracicaba, que Erasmo Spadotto começou a fumar. Na década de 1980, muito antes das primeiras Leis Antifumo, permitia-se fumar no interior das agências, a ponto de certos clientes escolherem aguardar na fila para que, quando atendidos, fumassem juntos e batessem papo.
Herdara o dom artístico do pai. De família italiana, o Sr. Constantino animava os encontros narrando histórias e contando piadas. Gostava de passar nos velórios e, se estivessem cheios — com plateia—, desenvolvia um “stand up” de comédia. Seu pai e os três irmãos fumavam, assim como os ídolos cartunistas Angeli e Laerte do jornal Folha de São Paulo. Nele, as tirinhas com personagens fumantes eram frequentes.
Um amigo que trabalhava no Jornal de Piracicaba avisou que havia uma vaga como revisor. Não perdeu a oportunidade. Na redação, todos sabiam que Erasmo desenhava. Certa vez, o jornal precisava dar a notícia da “Xispada da ESALQ”, famosa corrida em que os calouros saíam nus pelas ruas da cidade. Levados à delegacia por perturbação da ordem e embriagados de tanta folia, só não estavam mais constrangidos que a delegada no outro lado da mesa. O jornal não podia publicar a foto com os rapazes nus, então o editor pediu a Erasmo que ilustrasse a cena. Ela veio com os dizeres “Toda Nudez será Castigada”, parafraseando a peça de teatro de Nelson Rodrigues. Aprovado, convidaram-no para trabalhar como chargista e ilustrador gráfico do jornal. Faria, diariamente, a charge da página 2 e também as ilustrações do Jornal de Domingo. Ao dirigir-se ao RH, Erasmo descobriu que receberia o dobro do salário. Passou por 7 editores no jornal e por muita história da cidade e do Brasil. Foi dele a capa da primeira edição colorida do jornal com uma ilustração do PC Farias.
Antes de parar, Erasmo fumava 40 cigarros por dia. Achava que a criatividade se associava a eles. De fato, a nicotina, substância viciante encontrada nos produtos de tabaco, gera prazer e relaxamento, aumenta a atenção e a vigilância, melhora a performance de tarefas e alivia a ansiedade. Porém seus efeitos duram pouco e, conforme o grau de dependência do fumante, em alguns minutos ou horas, ele sentirá os sintomas da abstinência: irritabilidade, ansiedade, dificuldade de concentração, insônia... só aplacados quando o indivíduo acende o próximo cigarro.
Em julho de 2002, com 35 anos, contraiu uma intoxicação alimentar que o levou ao hospital. Dividiu o quarto, na enfermaria da Santa Casa, com um homem internado por problemas respiratórios por causa do cigarro. Tentava respirar, mas não conseguia. Quando teve alta, Erasmo nunca mais fumou. Ainda guardou, por 10 anos, o maço com o que restou dos últimos cigarros.
Parar de fumar, em qualquer idade, sempre se mostrará benéfico. Um estudo publicado na revista científica JAMA, que analisou dados de mais de 500 mil pessoas, apontou que os indivíduos que largam o cigarro até os 35 anos reduzem o risco de morte ao nível dos não fumantes — dados que podem motivar, nos jovens fumantes, a definição de uma meta.
Descobriu que não dependia do cigarro para criar e trocou o vício na nicotina pelos exercícios físicos. Notou que o rendimento nas corridas melhorou muito.
A carreira como cartunista consolidou-se, dirigiu o Salão Internacional de Humor por 4 anos e desfruta do reconhecimento local e nacional por sua crítica inteligente, bem humorada e respeitosa, a ponto de receber, da Câmara dos Vereadores de Piracicaba, o título de Cidadão Piracicabano no dia 25 do último mês de fevereiro, quando também comemorou 30 anos de profissão.
Parabéns, Erasmo Spadotto!
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