— Você é tão bonita, uma pena que fume! Por que não pára? — a mulher desconhecida comentou e saiu de perto, numa das paradas para descanso durante a excursão da Canção Nova.
A fumante terminou o cigarro, procurou a acusadora e, muito brava, questionou-a:
— Qual seu problema comigo? Você nem me conhece! Me deixe fumar em paz!
A outra mulher não retrucou e saiu de perto.
Situações como essa repetiam-se na vida da bela Ana Rosa. Os comentários e as críticas relacionados ao tabagismo deixavam-na irritada.
Havia tentado parar de fumar inúmeras vezes, mas não conseguia. O vício provocava-lhe dependência intensa. Fumava cerca de 40 cigarros ao dia e sentia, fortemente, que, após mais de 35 anos, precisava parar.
Próxima de completar 10 anos, a Lei Antifumo no Brasil — aprovada em 2011 e regulamentada em 2014 —, ao proibir o ato de fumar em locais fechados, vem colocando fumantes e não fumantes entrincheirados em lados opostos numa guerra que se acirra à medida em que o cerco aos fumantes se fecha.
Pior ainda quando os familiares e os amigos, não raro, assumem postura de crítica extremada e de impaciência com aqueles que, apesar de sofrer os males do vício, nele persistem.
Ana Rosa apareceu no meu consultório dizendo que queria fazer o tratamento do cigarro. Veio acompanhada de Érica, sua colega de trabalho e fiel confidente, a quem eu denominei de “madrinha”.
Como parte da estratégia para enfrentar o tabagismo, peço que o paciente escolha uma “madrinha” para acompanhá-lo — uma pessoa, amiga e querida, que não levantará o dedo acusador porém, ao contrário, proporcionará acolhimento, encorajamento e apoio durante o tempo em que o doente se tratar.
Contou-me que começara a fumar muito cedo na casa da avó paterna. A matriarca, já cansada dos seus 12 filhos, que, nos finais de semana, enchiam a casa de noras, genros e netos, costumava pedir à menina que buscasse um cigarro. Ana Rosa trazia. Em seguida, a avó ordenava que o acendesse —como quando se está com sede e se pede um copo d’água a alguém. A velha ainda a advertia que não deixasse a fumaça na boca — tinha que tragar. Obedecendo, tossia tanto que chegava a vomitar. Assim, de um em um cigarro, Ana Rosa tornou-se fumante regular aos 13 anos de idade.
Segundo o Dr. Dráuzio Varella, as primeiras tragadas que o indivíduo dá na vida, geralmente, provocam tontura, enjoo e mal-estar. Depois, trazem a sensação de prazer fugidio e, a seguir, as alterações de humor causadas pela privação da droga — a abstinência e a constatação do vício. Após consumir apenas alguns cigarros já se podem experimentar tais sensações.
Ao iniciar o tratamento antitabagismo, Ana não contou ao filho Rafael, temendo ouvir uma reprimenda, caso fracassasse.
Durante o horário de trabalho — as amigas são promotoras de vendas —, a madrinha Érica não a deixava sair para fumar. Ao invés disso, a distraía com muita conversa. Nos finais de semana, maratonavam filmes de ação, de aventura, de romance ou de comédia. Quando a previsão do clima prometia tempo firme com sol, o destino eram os campings em São Pedro ou em Santa Maria da Serra. Sentia o cheiro da terra, colocava os pés no chão e inspirava o ar puro. A simplicidade do lugar e o contato próximo à natureza a impulsionavam a persistir no propósito de não fumar.
Hoje, após um ano longe do cigarro, Ana experiencia o camping de forma diferente. Consegue desenvolver, com facilidade, caminhadas mais longas, sentir o cheiro do mato e enxergar os detalhes na natureza, antes escondidos atrás da cortina de fumaça.
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