Cecília Oliveira Barbosa Buck, 48 anos, é pediatra. Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1998, fez residência médica em PediatriaeGenética Médica, mestrado em Saúde da Criançaeda Mulher, doutorado em Ciências Médicas e é coordenadora do Curso de Medicina da UAM (Universidade Anhembi Morumbi) Piracicaba. Nesta entrevista, falou dos desafios da pediatria e das principais doenças que acometem as crianças.
Como vê o aumento das doenças em crianças, consideradas próprias do adulto?
A criança de hoje em dia tem se tornado cada vez menos criança–tem agenda cheia, pouco tempo para brincar, para estar na natureza e descobrir o mundo; não tem tempo para criar, para dormir. Pais estressados com pouco tempo para cuidar de sua alimentação, sem hábito de praticar atividade física, admirar o mundo, cultivar a religiosidade, deixam de cultivar tais hábitos em seus filhos e de permitir que eles desenvolvam um corpo, mente e alma saudáveis–aqui, como alma, trago a imagem do “corpo” das sensações, da maneira como sentimos e percebemos o mundo. Crianças criadas como adultos passam a ter as mesmas doenças que estes, incluindo aumento da incidência de obesidade e sobrepeso, transtorno de ansiedade e depressão, adicção, hipertensão arterial, entre outros. A desnutrição, associada às infecções comuns da infânciaeàs diarreias, continuam sendo causas importantes de morbi-mortalidade entre as populações menos favorecidas. Dados recentes da OPAS, sobre outras doenças na infância, trazem os seguintes indicadores: As crianças são vulneráveis aos efeitos adversos para a saúde da poluição do ar interior e exterior, que causa cerca de 7 milhões de mortes por ano (2016); Mais de 250 milhões de crianças correm o risco de não atingir o seu potencial de desenvolvimento (2017); São estimados 124 milhões de crianças e adolescentes afetados pela obesidade (2016); As crianças são frequentemente expostas ao marketing comercial que promove substâncias viciantes e produtos insalubres; Acidentes de trânsito são a principal causa de morte de crianças e jovens acima de5anos; mais de 1 bilhão de crianças são expostas à violência todos os anos. Com isso, encurtamos a infância e antecipamos o início dos impactos nocivos do modo moderno de viver sobre as crianças,oque certamente tendeaantecipar o processo degenerativo e, em última instância, o fim da vida.
Fale sobre o aumento das doenças psiquiátricas e suicídios entre crianças.
A OMS estima que mais de 700.000 pessoas morrem por suicídioacada ano;éaquar ta maior causa de mortes de jovens de 15 a 29 anos de idade. Entre 2010 e 2019, ocorreram no Brasil 112.230 mortes por suicídio, com um aumento de 43% no número anual de mortes, de 9.454 em 2010, para 13.523 em 2019. Análise das taxas de mortalidade ajustadas no período demonstrou aumento do risco de morte por suicídio em todas as regiões do Brasil. Segundo o CDC, jovens com idades entre 10 e 24 anos representam 15% de todos os suicídios, sendo o suicídio a segunda principal causa de morte para essa faixa etária, representando 7.126 óbitos. Além disso, as taxas de suicídio para essa faixa etária aumentaram 52,2% entre 2000-2021. Uma meta-análise canadense que incluiu 28 estudos até 2022 estimou em 7,5% a prevalência de ideação suicida entre crianças até 12 anos e em 2,2% a prevalência de planejamento de suicídio na mesma faixa etária. A incidência cada vez maior e mais precoce de ideação, tentativas, ou mesmo de suicídio, é um dos sinais de que precisamos melhoraraatenção e o cuidado com interesse genuíno nas crianças e jovens. Promover uma infância livre, saudável, com afeto e atenção, convívio familiar e bons exemplos; fortalecer vínculoserelações pessoais, não relações virtuais; ter amigos de verdade, contato com a natureza, tempo para brincar e uma boa alimentação.
Doença mão-pé-boca: como combater?
É uma infecção causada por um vírus da família Coxsackie, sendo transmitida por via fecal-oral, ou seja, por meio de contato com saliva e secreções contaminadas, ou mesmo pela eliminação do vírus nas fezes. Mãos que vão à boca e tocam em outras mãos ou superfícies podem levar os vírus que contaminarão outras pessoas, tornando o contágio em creches, escolas e mesmo dentro de uma casa algo bastante possível/provável de acontecer. Sendo uma infecção viral, costuma ter curso autolimitado, sendo os principais pontos de atenção a febre alta que antecede o período de aparecimento das lesões eorisco de desidratação em crianças pequenas, decorrente tanto da dificuldade de alimentação e ingesta de líquidos pela dor causada pelas lesões orais como da diarreia que é parte integrante do quadro clínico. Contaminação secundária das lesões cutâneas por bactérias da pele também deve ser ativamente observada. Em adultos, o quadro cutâneo costuma ser menos exuberante, prevalecendo uma febre mais baixa e o quadro intestinal. O contato próximo com o pediatra, que vai direcionar a necessidade de intervenção nos casos mais graves, é o manejo ideal; a doença costuma ser benigna e o desaparecimento dos sinais e sintomas costuma acontecer após cerca de 7 dias. No período sintomático, as crianças devem permanecer em casa, evitando assimocontágio.
Houve queda na cobertura vacinal infantil?
Dados do DataSUS mostram queda vertiginosa das taxas de cobertura vacinal quando comparamos os anos de 2019 e 2021, decor rentes do isolamento social durante a pandemia. A cobertura vacinal geral do país caiu de 73,4% para 61,5%, sendo os números específicos da região sudeste bastante semelhantes: 72,7% para 62,2%. Quando observamosacobertura específica das vacinas da Poliomielite e de Sarampo (usando como referênciaaprimeira dose da vacina tríplice viral), observamos movimento semelhante no período: na região sudeste, 84,2% de cobertura para poliomielite e 93% de cobertura para sarampo em 2019 comparados com 71% e 74,9% para as mesmas vacinas, respectivamente, em 2021. Em Piracicaba, as diferenças foram menores, sendo a cobertura para poliomielite 95,6% em 2019 e 93,4% em 2021,eacobertura para sarampo 97,4% em 2019 e 93,4% em 2021. O fato curioso é que, apesar de um movimento de discreto aumento das coberturas em 2022, com o término do isolamento social (a cobertura vacinal total do país subiu para 67,8%, sendo 77,1% para poliomielite e 80,6% para sarampo), os dados de 2023, coletados até o dia 19/04/2023, mostram uma cobertura muito inferior à dos anos precedentes, mesmo se considerando o período de pandemia: a cobertura total do país está em 50,8%, sendoacobertura vacinal para poliomielite 58,9% (64% em Piracicaba) e para sarampo 60,9% (67,5% em Piracicaba). Isso deve acender um sinal de alerta de grande magnitude em todos os profissionais da área de saúde, bem como educadores e demais profissionais que lidam com crianças, visto que temos uma grande parcela da população vulneráveladoenças infectocontagiosas, anteriormente erradicadas, de grande morbimortalidade nesta faixa etária.
Avalie o atendimento na rede pública na área de pediatria.
De um modo geral, ele pode acontecer na atenção primária, que compreende as Unidades Básicas de Saúde, realizado por enfermeiros e médicos da estratégia de saúde da família ou pediatras; na atenção especializada, realizado nas unidades de urgência e emergência, policlínicas e centro de especialidades médicas por pediatras ou especialistas; na rede de atenção psicossocial, realizado por médicos psiquiatras, psicólogos e terapeutas ocupacionais; e na rede de atenção hospitalar. Há também o atendimento e tratamento odontológico realizado nas unidades da atenção básica e em serviços especializados. O atendimento à saúde da criança no município é bem estruturado e planejado, sendo, entretanto, um grande desafio atualmente a escassez de médicos pediatras para esse atendimento. Há unidades sem médicos pediatras, além de algumas especialidades pediátricas também sem profissional para o atendimento, o que torna o cuidado continuado/programado, bem como o atendimento especializado, quando necessário, insuficiente para o atendimento das necessidades de saúde da população infantil do município. Há grande esforço das autoridades locais de saúde para o restabelecimento de toda a rede, porémadisputa entre o serviço público e o mercado de trabalho privado ainda é um desafio.
Quais os principa is desafios da pediatria?
A pediatria tem no mundo moderno desafios decorrentes das mudanças nas relações entre as pessoas, na constituição das famílias e na criação dos filhos. Decorrentes do modo de nascer, crescer e adoecer das crianças. Na pediatria, temos duas vertentes que sãoapuericultura, que tem por objetivo promover um crescimento e desenvolvimento saudáveis da criança, eamedicina pediátrica em si, que lida com as doenças e afecções que acometem a criança. Parte igualmente importante do trabalho do pediatra é a parceria com os pais–cada vez mais ocupados, com tempo restrito para o cuidado dos filhos, têm no pediatra um socorro, um suporte nos momentos de preocupação com a saúde dos filhos, nas escolhas entre melhores caminhos para a educação e orientação.
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