Vamos pensar o seguinte. Uma ilha de 84 mil km quadrados, menor que o estado de Santa Catarina, já derramou muito sangue por um pedaço de 14 mil km quadrados.
É sob esse ponto de vista que a ilha da Irlanda, onde estão a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, pode ser vista e entendida.
Se a época da Páscoa é um momento de celebração religiosa para boa parte do mundo, para as “Irlandas” é ainda mais importante, pois também relembra dois momentos históricos.
Toda a ilha da Irlanda e o Reino Unido já foram parte de uma coisa só. Até o início do século 20, a Grã Bretanha e a ilha da Irlanda formavam o United Kingdom of Great Britain and Ireland.
E sob o domínio britânico, a Irlanda sofreu muito. Voltando alguns anos, The Great Famine (A Grande Fome) foi um momento dificílimo para o país. Entre 1845 e 1852, uma doença afetou a plantação de batatas, principal meio de sobrevivência daquela época.
Milhares de pessoas morreram e milhões deixaram a ilha, emigrando para outros países, principalmente Estados Unidos. Para se ter uma noção, recentemente a República da Irlanda bateu a marca de 5 milhões de habitantes. Antes da Grande Fome, o país chegou a ter 8 milhões de pessoas.
E os britânicos não ajudaram os irlandeses a superarem a crise, sendo deixados à própria sorte.
Voltando ao século 20, durante a Primeira Guerra Mundial, 200 mil irlandeses foram obrigados a lutar em defesa dos britânicos, já que Inglaterra, junto à França e Rússia, se uniram contra a Alemanha.
Nessa mesma época, começou a surgir uma organização maior entre irlandeses que apoiavam um movimento que queria a revogação da união entre o Reino da Grã-Bretanha e o Reino da Irlanda.
É claro que os britânicos não deram corda e, no feriado de Páscoa de 1916, mais precisamente em 24 de abril daquele ano, cerca de 1.000 rebeldes começaram a agir e ali iniciou-se uma guerra de seis dias em pleno centro de Dublin.
Foram mais de 1.500 mortos, com vitória da Grã-Bretanha. Apesar da derrota, o sentimento de independência tomou conta dos irlandeses, que continuaram na busca para se livrar do domínio britânico. Consequentemente, a guerra continuou. Apenas em 1922 a Irlanda conseguiu, definitivamente, sua independência.
Um ano antes, o Tratado Anglo-Irlandês estabeleceu a divisão da Irlanda em dois territórios distintos: a Irlanda do Norte, que permaneceu parte do Reino Unido, e a Irlanda independente.
Desde aquela época, os irlandeses da Irlanda do Norte se dividiram em basicamente dois grupos: os unionistas ou legalistas, majoritariamente protestantes, que defendem a permanência do país no Reino Unido, e os nacionalistas (ou republicanos), majoritariamente católicos, que queriam que a união das “Irlandas”.
E a briga continuou por anos a fio, com grupos armados e uma guerra civil intensa, principalmente entre os anos 1960 e 1990. Até hoje existe um muro na Irlanda do Norte que separa os bairros católicos e protestantes.
Em 1998, outro momento histórico ocorreu na época da Páscoa. O Acordo de Belfast, mais conhecido por Acordo da Sexta-feira Santa, justamente assim é chamado porque foi assinado em 10 de abril, sexta-feira da Semana Santa daquele ano.
Ele promoveu uma trégua entre os governos britânico e irlandês e os partidos políticos da ilha. Hoje, 25 anos depois, em plena validade, ele garante direitos e deveres das duas Irlandas em relação a diversos patamares sociais e políticos.
Não à toa, abril é sempre uma época de validar e reforçar o Acordo, para que ele siga existindo, por mais que existam sempre questões que podem o colocar em cheque, como o Brexit. Mas se depender da maioria da população da ilha, a paz vai prosperar.
--------------
Os artigos publicados no Jornal de Piracicaba não refletem, necessariamente, a opinião do veículo. Os textos são de responsabilidade de seus respectivos autores.