ARTIGO

Sun Tzu tinha toda a razão...

Por Armando Alexandre dos Santos |
| Tempo de leitura: 4 min

A permeabilidade das fronteiras do Vietnã do Sul com Laos e Camboja facilitava a guerra de guerrilhas, pois os vietcongs, treinados no Vietnã do Norte, desciam pela famosa Trilha de Ho-Chi-Min através do Laos e do Camboja, e penetravam impunemente em qualquer ponto do Vietnã do Sul. Mas sul-vietnamitas e norte-americanos eram forçados a tomar extremo cuidado no relacionamento diplomático com Laos e Camboja, evitando ultrapassar limites a partir dos quais China e URSS decidissem interferir, o que poderia dar início a uma nova Guerra Mundial.

Na realidade, como bem observou Demétrio Magnoli, “os Estados Unidos jamais ultrapassaram a fronteira da guerra limitada” (História das Guerras, p. 416). Apesar de terem colocado no Sudeste Asiático mais de meio milhão de homens, ficaram todo o tempo prisioneiros de uma estranha inibição e jamais tomaram atitude de quem queria efetivamente vencer a guerra. Robert McNamara, que durante muitos anos foi o responsável pela condução da política externa norte-americana, reconheceria em 1996 que o governo de seu país, contrariamente à opinião dos chefes de seu Estado-Maior, nunca quis tomar atitudes mais enérgicas que ameaçassem chegar a uma confrontação com a China ou a URSS.

No conflito do Vietnã, os Estados Unidos por um lado eram olimpicamente vitoriosos. Tinham a hegemonia aérea absoluta, reconquistavam sistematicamente todos os terrenos tomados pelas sucessivas ofensivas vietcongs, matavam muito mais inimigos do que morriam americanos... mas perderam a guerra! Despejaram 8 milhões de toneladas de bombas sobre seus adversários, quantia correspondente a quatro vezes o que foi usado ao longo de toda a Segunda Guerra Mundial, mas essa incrível exibição de força de pouco adiantou, por causa da assimetria da guerra, em larga medida devida às condições geográficas.

A Guerra não foi perdida militarmente pelos Estados Unidos. Do ponto de vista da estratégia militar, ela foi apenas mal conduzida, mas poderia ter sido corrigida sem dificuldade. Ela foi perdida politicamente, no campo da propaganda, da chamada Guerra Psicológica.

A grande imprensa ocidental (inclusive e sobretudo a norte-americana) empenhou-se na oposição ao conflito, apresentando-o como impopular e antipático. Chegou-se ao extremo de veteranos de guerra norte-americanos, condecorados por seu valor em campos de batalha, aderirem a manifestações contra a Guerra do Vietnã diante do Pentágono, jogando ao chão, com desprezo, as condecorações recebidas. Como manifestação de triunfo de uma guerra psicológica e de propaganda, não conheço nada igual.

Os vietcongs venceram, não por serem superiores no campo de batalha, mas unicamente porque, de acordo com os ensinamentos do teórico militar chinês Sun Tzu (544-496 a.C.), conseguiram que os americanos perdessem a vontade de lutar.

Desde 1969, os Estados Unidos deram início a uma nova política, chamada de “vietnamização da guerra”. Entenda-se: crescente desinteresse por uma guerra que, afinal de contas, era um negócio a ser resolvido entre vietnamitas... Os teóricos da “vietnamização” pregavam que os Estados Unidos deviam armar e fortalecer seus aliados sul-vietnamitas para que estes vencessem a guerra por si mesmos, sem precisar da presença de tropas americanas. Essa política foi sendo executada nos anos seguintes, até que em 1973, os americanos decidiram retirar todas as suas tropas do país. Na verdade, bateram vergonhosamente em retirada. A luta entre sulistas e nortistas ainda prosseguiu mais dois anos, até que em 1975 o Vietnã do Sul caiu sob total dominação comunista. De acordo com a Teoria do Dominó, logo também caíram, em sequência, Laos e Camboja. Neste último país, o genocídio perpetrado pelos fanáticos do Kmer-Rouge passou além de todo o imaginável. Entre 1975 e 1979, mais de 2 milhões de pessoas foram barbaramente assassinadas; bastava alguém usar óculos para ser fuzilado ou abatido a golpes de enxada, por ser “intelectual” e “inimigo do povo trabalhador”!

O conflito do Vietnã foi muito importante no desenvolvimento da doutrina militar norte-americana, como registra Magnoli: “O estilo americano de guerra, delineado na Guerra da Secessão, alcançou seu apogeu na Segunda Guerra Mundial. Esse estilo se baseava na mobilização geral das forças de uma poderosa economia industrial, numa rude estratégia de atrito, na superioridade oferecida por um poder de fogo arrasador, na tática de ofensivas diretas e decisivas. A Guerra da Coreia revelou, pela primeira vez, as limitações dessa tradição militar e a Guerra do Vietnã assinalou seu esgotamento.” (op. cit., p. 418)

A influência da geografia sobre os resultados da guerra assimétrica do Vietnã foi enorme, mas o fator decisivo foi o psicológico e propagandístico. Nesse campo é que o Ocidente se encontrava despreparado, desmobilizado, acovardado. E por isso mesmo foi derrotado.

Concluo, mais uma vez, citando Magnoli: “Contrariamente ao mito popular, os Estados Unidos não foram derrotados nas florestas do Vietnã, mas no campo de batalha da opinião pública americana. Historiadores que, corajosamente, encaram as indagações contrafactuais sustentam com argumentos poderosos a tese de que a decisão política da retirada americana representou a renúncia à perspectiva realista de vitória militar.” (op. cit., p. 392) Confirmou-se assim o ensinamento de Sun Tzu.

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