ARTIGO

Prisão e liberdade

Por André Salum | 14/04/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Na jornada humana rumo a uma vida mais plena – anseio natural de todos nós – inúmeras instruções espirituais merecem consideração, especialmente ao apresentarem propostas libertadoras, como aquelas feitas por Jesus e anotadas nos Evangelhos. Ocorre que muitas delas podem nos parecer estranhas ou incompreensíveis, ao proporem perder a vida para ganhá-la, morrer para ter vida mais abundante, ceder para conquistar, renunciar para possuir… Como a influência do ego ainda nos é predominante, podemos achar absurdas tais instruções, as quais nos parecem perdas injustificáveis, privações desnecessárias, sacrifícios inúteis e infrutíferos. No entanto, para quem amadureceu um pouco mais, tais convites passam a fazer sentido, e os que avançaram nessa jornada, pela compreensão dos desígnios e propósitos da vida, passam a privar-se voluntariamente de coisas e situações que antes lhes eram objeto de desejo e ambição. Desse modo, deixar de dominar, abrir mão do senso de posse, abdicar de privilégios, renunciar a confortos e comodidades, recusar voluntariamente prazeres, riquezas e poderes mundanos pode parecer absurdo para os profanos, tanto quanto, para os santificados, seria insensatez não se libertar de tudo isso, pois o despertar da consciência espiritual rasga certos véus que obscurecem a visão, permitindo que se veja com maior clareza o caminho a seguir.

Tudo aquilo que restringe o livre fluxo e a expressão de nossa essência pode nos prender: quando não fazemos aquilo de bom que deveríamos ou poderíamos realizar; quando nos atamos a sentimentos negativos; quando paralisamos as ações dignificantes pela perda de entusiasmo; quando cultivamos pensamentos e crenças limitantes. Existem inúmeras formas de nos prendermos, muitas das quais nos passam despercebidas, até que nos sintamos tolhidos em nossa expressão vital.

Durante o processo autoeducativo, quando se submete o ego aos necessários limites de sua expressão, dominação e condicionamento, essa aparente perda de liberdade é, na verdade, um movimento rumo a liberdade mais ampla e duradoura. Nesse sentido, justificam-se os esforços, as disciplinas, a obediência e a perseverança no cumprimento dos deveres, o que favorece, instrumentaliza ou otimiza as conquistas espirituais, processo esse catalisado por um trabalho interior de autoconhecimento.

O processo de libertação não cessa, pois sempre existe algo de que podemos nos desapegar, posses ilusórias das quais convém nos desvencilharmos, medos que podemos superar, limitações a serem transcendidas, aspectos do nosso ego a serem purificados. Esse movimento envolve múltiplos aspectos e transcorre em diversas etapas até que possamos alçar voo para dimensões mais sutis e venturosas da vida. Até lá, podemos valorizar cada momento e oportunidade de aprendizado e serviço, como oferendas da vida em nosso próprio benefício.

Ao refletirmos sobre a trajetória humana ao longo da história e ao considerarmos o que nos tem sido ofertado como instrução, podemos perceber que a humanidade somente estará livre das mais diversas formas de escravidão, opressão e limitação quando houvermos conquistado a liberdade e a paz interiores. É sabido que qualquer realidade externa e coletiva sempre será a consequência de realizações internas e individuais. Portanto, um mundo em que exista ampla liberdade será expressão natural de seres humanos interiormente livres, pois ser livre é também libertar, tanto quanto conceder liberdade é libertar-se a si mesmo.

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