ARTIGO

Local ideal para um conflito assimétrico

Por Armando Alexandre dos Santos | 08/04/2023 | Tempo de leitura: 4 min

O Sudeste Asiático é composto fundamentalmente pelo Vietnã (entre 1954 e 1975 dividido em dois, o Vietnã do Norte, comunista, e o Vietnã do Sul, pró-Ocidente), pelo Laos, pelo Camboja e pela Tailândia (antigo Reino do Sião). O foco principal da luta foi o Vietnã, que tem a forma sinuosa de um longo e retorcido S. Bem ao Norte, não distante da fronteira chinesa, situa-se Hanói, cidade importante que foi durante muito tempo a capital do Vietnã do Norte. Quase no extremo Sul, confrontando com a província da Cochinchina, situa-se Saigon, cidade bastante importante e populosa, que foi capital do Vietnã do Sul e agora, renomeada Ho-Chi-Min-Ville, é a capital da República do Vienã, até hoje oficialmente comunista.

Ao longo de toda a orla marítima, desde o Golfo de Tonquim, ao Norte, até o extremo Sul da Cochinchina, havia povoados e cidadezinhas, localizando-se nessa orla a maior parte da população civil. Para o interior, seguia-se uma faixa não muito larga de planícies, com arrozais e, logo se fechava a vegetação numa floresta luxuriante que ia subindo cada vez mais, até chegar a uma cadeia de montanhas elevadas, que dividia o Vietnã dos vizinhos Laos e Camboja. Do outro lado, ia a topografia descendo, em direção ao importante vale do Rio Mekong, que dividia o Laos da Tailândia, depois cortava o Camboja ao meio e, por fim, penetrava em território vietnamita, ao sul de Saigon, já em plena Cochinchina. A região das montanhas cobertas de florestas constituía o terreno ideal para uma guerra assimétrica, como é, por excelência, a de guerrilhas.

Já a Guerra da Indochina, contra os franceses, foi assimétrica, como metaforicamente o reconheceu o generalíssimo vietnamita Nguyen Van-Giap: “Será a guerra entre um tigre e um elefante. Se acaso o tigre parar, o elefante o transpassará com suas poderosas presas: só que o tigre não vai parar; ele se esconde na selva durante o dia para só sair à noite; ele se lançará sobre o elefante e lhe arrancará o dorso por grandes nacos, depois desaparecerá e, lentamente, o elefante morrerá de exaustão e de hemorragia” (FERRO, M. História das colonizações. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 315-316).

A Guerra da Indochina terminou em 1954, com a retirada dos franceses e a divisão do Vietnã em dois países, como acima aludido. Após alguns anos de relativo apaziguamento, por volta de 1960 se reacenderia o conflito, com o Norte acolhendo o vietcongs (vietnamitas do sul partidários do regime comunista), armando-os, treinando-os e lançando-os em sucessivas ofensivas contra o regime do Sul. Teve início, então, propriamente a Guerra do Vietnã, na qual os Estados Unidos sofreram vergonhosa derrota no campo político, diplomático e propagandístico, mais do que no campo militar propriamente dito.

Numa primeira fase da Guerra do Vietnã, correspondente aos três primeiros anos, a política da defesa do Vietnã do Sul contra os ataques dos vietcongs apoiados pelo Vietnã do Norte, foi muito clara. O regime, comandado pelo presidente Ngo Dinh Diem (1901-1963), adotava uma política de oposição total. Armava a população civil, até mesmo nas remotas aldeias perdidas entre as montanhas. Quando chegavam os guerrilheiros comunistas, geralmente durante a noite, eram recebidos à bala e rechaçados.

Em 1963, Ngo Dihn Diem foi assassinado em circunstâncias até hoje não inteiramente esclarecidas e houve, no Vietnã do Sul, uma mudança estratégica decisiva. Assumiu um grupo político novo, que preferiu desarmar a população civil, confiando em que o Exército sul-vietnamita, auxiliado pelos norte-americanos, seria suficiente para enfrentar a guerrilha. Nos Estados Unidos, também cresceu o apoio militar, na esperança de uma vitória fácil, e foi cada vez mais crescendo o contingente de tropas mandado para a região.

Com isso, acentuou-se a assimetria do conflito, com o que somente lucraram os vietcongs. Nas regiões montanhosas, que constituíam a maior parte do território do Vietnã do Sul, a população se agrupava em pequenas aldeias isoladas que ficavam praticamente à mercê dos guerrilheiros. Quando estes chegavam, à noite, se não eram bem recebidos chacinavam impiedosamente a população desarmada. Esta se via, pois, constrangida a dar apoio logístico aos vietcongs, e a se afastar cada vez mais da fidelidade ao regime do Sul, para não correr o risco de violentas retaliações por parte dos comunistas.

Isso fez com que, gradualmente, o país fosse, em tese, Vietnã do Sul, mas na prática fossem os nortistas quem realmente dominava. Mais um elemento de assimetria do conflito.

Acrescente-se, ainda que a geografia local oferecia outros elementos favoráveis à guerrilha: chuvas torrenciais quase o ano todo, produzindo imensos lamaçais que dificultavam o transporte de veículos pesados, e ocasionando também febres palustres e malária, moléstias contra as quais a população local já havia desenvolvido anticorpos, mas que atingiam de modo inclemente os europeus e os norte-americanos pouco habituados à região.

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