ARTIGO

Mãos dadas com a Vila Sônia

Por David Chagas |
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Não estou em busca de escola risonha e franca. A que me recebeu um dia, pública, bom seria, em alguns aspectos, retornasse, permitindo ao aluno senão um caminhar tranquilo em busca do futuro, passos seguros.

A intervenção, sem voltar atrás, há de ser de educadores experientes, psicólogos bem formados, capazes de juntar-se aos professores atuais, em sua grande maioria jovens, formação inadequada, sem apoio necessário das autoridades da Educação.

Uma escola de verdade junta profissionais vocacionados, interessados em oferecer conhecimento e vida a seus alunos, conhecedores de princípios filosóficos que lhes permitam atuar na instituição e em sala de aula dividindo saber e um conjunto de hábitos capazes de formar cidadãos.

Muitos dirão da precisão de cortar, da criança e do jovem, algumas liberdades. Hoje, a mim, também me parecem excessivas para os que buscam, na escola, em especial, na pública, oportunidade de transformação social.  Para isso, é preciso algum rigor, disciplina, trabalho exaustivo, entusiasmo e amor, sobretudo.

A Professora Elisabeth Tenreiro, a cuja memória dedico este texto, chegou, na segunda-feira, 27 de março, à Escola Tomazia Montoro para isso. Queria ir além do conteúdo, semeando esperanças.

Não pôde sequer descortinar a manhã que se abria. De forma traiçoeira, golpeada por jovem dominado pelo ódio, pelo sentimento de vingança, pelo desamor, sequer deixou cair suas sementes.

A vermelhidão daquele amanhecer não foi deixada pelas cores de sol. Manchou-se o tecido da manhã com sangue de professora que, com sua ação, olhar e sorriso, segundo sua filha, seus alunos e colegas, era para tecer-lhes vida.

Professor, por desejo pessoal, vocação e interesse claro no estudo da Filosofia que ilumina os passos do educador orientando a caminhada, insisto sempre no que escrevo e digo, que é preciso ir além, muito além do conteúdo em sala de aula. Esta conduta faz da escola instituto capaz de orientar o pleno exercício da cidadania graças a dinâmicas de intervenção e transformação social.

Desde o princípio da ação escolar nenhum professor poderia fugir da responsabilidade de revelar, em atitudes e comportamento professoral, com coragem e igual dignidade, sentido de viver.

Em diferentes palestras que fiz, nas andanças por escolas que me chamaram para conversas a partir de experiências vividas no Brasil e fora dele, encontrei sempre despreparo e desolação.

Há professores – é notável isto! – que desejam ardentemente achar motivo no ambiente escolar, no exercício diário de sala de aula que auxiliem no traçado da esperança por uma vida de aprendizado, de transformação, de consciência crítica, sem perder o entusiasmo e a alegria que o processo exige. Não alcançam. Falta cooperação e apoio dos que, com eles, deveriam compor em benefício do aluno.

Dar ao educando, em cada palavra dita, na lição ensinada, nos gestos, desenho evidente de acolhimento e aceitação permite despertar noção de responsabilidade sobre si mesmo e o outro, de solidariedade, de direito e dever, de diálogo, de respeito, forjando, dia a dia, seu espírito democrático, pluralista, criativo e crítico.

Educar, sim, e, sobretudo, para a cidadania, sem abandonar, sob nenhuma hipótese, neste contexto, o papel de fazer da aprendizagem ponto de chegada. Ensinar não é fazer do aluno depositário de informações, ajeitando esta ou aquela teoria supostamente mais importante para exames futuros, com um instante de emoção ou de humor. É fazer deste momento, a oportunidade de transformá-lo pela informação, para que exerça, com responsabilidade, sua condição cidadã, caso não tenha, em casa ou fora dela, já alcançado.

O adolescente, réu confesso de crime hediondo, ao que tudo indica,  quis desagravar-se por ter-se ofendido, ao ser obrigado, pela professora, a desvencilhar-se de briga que protagonizou um dia antes, ofendendo colega negro com palavras injuriosas.

Numa atitude nobre, a docente apartou o embate e foi obrigada a ouvir do assassino promessa que, por certo, não supôs, fosse juramento: “vai ter volta!”

Quanto faltou de acolhimento e afeto a este jovem, neste pequeno tempo de vida! Na escola anterior, que deixara há menos de um mês, rastro de agressividade e mal-estar. É preciso, no entanto, tentar recuperá-lo de tanto mal.

O que se sabe dele, com informações precisas e adequadas, oferecidas pelo ambiente escolar anterior? Que contato teve a nova escola com seus pais, cobrando pormenores de conduta no ambiente familiar?

Ele, diferentemente da frieza demonstrada, soube pedir, em carta, perdão à mãe, ao irmão, à tia e à avó pelo repulsivo ato cometido. Tardiamente, tocou-lhe o arrependimento, prova de que sonhou, em algum instante, com amparo e afeto.

Momento de reflexão e análise. A postos, as autoridades, não só pelo que ocorre nas escolas, mas na sociedade. Hora de mudanças, de novas atitudes.

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