ARTIGO

Aconteceu há 50 anos...

Por Armando Alexandre dos Santos | 03/04/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Escrevo este artigo no dia 29 de março de 2023. É incrível como o tempo passa. Lembro-me perfeitamente do que estava fazendo há precisamente 50 anos, no dia 29 de março de 1973. É, para mim, um dia inesquecível, que marcou profundamente a geração dos que nasceram na década de 1950, como eu.

Foi nesse dia que os últimos soldados norte-americanos se retiraram do Vietnã do Sul, que pouco depois cairia sob a ditadura comunista. Tinha termo assim, de modo inglório, a participação dos Estados Unidos na longa e cruel Guerra do Vietnã, uma guerra assimétrica que se arrastava desde 1960 e que se prolongaria dois anos mais, até 1975. Esse conflito, que constituiu importante episódio da Guerra Fria, na verdade era um prolongamento (ou melhor, era um desdobramento) de outro conflito anterior, a Guerra da Indochina, que ensanguentara a mesma região até 1954.

Guerra Fria é como se designa o longo período de confrontação estratégica e política entre os Estados Unidos e a União Soviética, desde o final da Segunda Guerra Mundial até o desabamento do império soviético, ocorrido em 1991. Nesse período, as duas superpotências não se enfrentaram militarmente de modo direto, mas fizeram-no indiretamente, em numerosos conflitos localizados na imensa “terra de ninguém” disponível em quase todo o globo terrestre. Corrida armamentista, corrida espacial, guerra de propaganda, terceiro-mundismo, “descolonização”, guerra psicológica revolucionária etc. etc. - foram aspectos ou episódios dessa guerra.

Em fins da década de 1970, o bloco comunista estava levando nítida vantagem e parecia destinado a isolar os Estados Unidos e dominar o mundo inteiro, mas a situação inverteu-se com a eleição de Ronald Reagan, em 1981, e sua reeleição quatro anos depois. Reagan foi apoiado por Margaret Thatcher, a “Dama de Ferro” que esteve à testa do governo inglês de 1979 a 1990. Esses dois notáveis estadistas, com pulso firme, conseguiram inverter um quadro que parecia irremediavelmente comprometido, de modo que foi a União Soviética que desabou espetacularmente, revelando ao mundo a triste realidade de miséria e ditatura que durante décadas procurara velar.

Falei em “guerra assimétrica”. Para os estudiosos de História Militar, é bem clara a diferenciação entre os conceitos antinômicos de guerra simétrica e guerra assimétrica.

A Primeira Guerra Mundial foi tipicamente uma guerra simétrica, porque travada entre nações bem definidas, que mais ou menos dispunham da mesma força, usavam mais ou menos as mesmas armas e adotavam o mesmo modo de combater. Foi mera medição de forças (e de vontades) numa situação de quase paridade de recursos humanos e bélicos, como também de animus belligerandi, com ambos os lados igualmente determinados a lutar até o fim, sem nenhuma possibilidade de encerrar o conflito sem que um dos lados não tivesse esmagado completamente o outro. Essa quase paridade dos dois conjuntos de nações envolvidas foi a causa de ter o conflito durado quatro longos e intermináveis anos, desde 28 de julho de 1914 até 11 de novembro de 1918.

Já a “Guerra Brasílica”, travada no Nordeste brasileiro entre 1630 e 1654 contra os holandeses calvinistas que nos invadiram e tentaram colonizar, foi tipicamente uma guerra assimétrica: de um lado, um exército europeu moderníssimo (para a época), bem armado e dispondo de todos os recursos técnicos, solidamente estabelecido em Olinda e no Recife, e com bases bem assentadas em diversos pontos do litoral nordestino às quais tinha fácil acesso um eficiente serviço de apoio e remuniciamento por mar, a partir da Holanda; de outro, os luso-brasileiros mal armados, mas conhecedores do terreno, dominando todo o interior, travando uma eficacíssima técnica de guerrilhas e, sobretudo, dispostos a defender de todos os modos sua terra e sua fé contra os invasores. Mesmo nas três grandes batalhas campais do conflito (a Batalha das Tabocas e as duas Batalhas dos Montes Guararapes), em que se fugiu um tanto do modelo guerrilheiro e se aproximou mais do que poderia ser entendido como um combate clássico entre exércitos regulares, a assimetria estava muito marcada no armamento e na própria organização tática dos confrontantes.

Tipicamente assimétrica também foi a já aludida Guerra da Indochina, travada contra a dominação colonial francesa desde o fim da Segunda Guerra Mundial até 1954. Nela é que se desenvolveu e praticou de modo mais claro o sistema de guerrilhas, pelo qual um adversário mais fraco se serve da mobilidade, das condições geográficas e climáticas, do elemento surpresa e da propaganda psicológica para desgastar e desmobilizar um inimigo muito mais poderoso e organizado. Esse sistema seria, no mesmo local, aplicado com ainda mais amplo desenvolvimento na Guerra do Vietnã, travada de 1960 a 1975 entre os dois Vietnãs, o do Norte e o do Sul, ajudado este pelos Estados Unidos, e aquele sustentado pelas potências comunistas.

Do ponto de vista geográfico, a região do Sudeste Asiático constituía o lugar ideal para um conflito assimétrico. Continuaremos o assunto.

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