ARTIGO

Monsenhor de gerações

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

Quando a rainha Elizabeth II morreu, muita gente afirmava que estava acostumada com a presença dela em diversos momentos da vida, seja em guerras, eventos esportivos ou escândalos familiares. Quer dizer, mesmo longe do Reino Unido, a presença da majestade era constante desde que nos conhecíamos por gente.

A impressão que dava é que ela estava no mundo desde que ele surgiu… até não estar mais.

Na tarde de ontem, senti uma impressão parecida quando soube da morte do Monsenhor Jorge Simão Miguel, o religioso mais tradicional de Piracicaba.

Conhecido mais como apenas padre Jorge, ele esteve presente no cotidiano de uma boa parte dos moradores da cidade, ou pelo menos de quem nasceu em família tradicionalmente católica e cresceu em bairros como Vila Rezende, Jardim Monumento, Nova Piracicaba e arredores.

Só na minha família, posso dizer que ele casou meus pais em 1981, batizou minha irmã em 83, eu em 1985, depois ainda foi responsável por nos dar a primeira comunhão e nos crismar (com aquele tapão no rosto que até hoje lembro).

Também casou praticamente todos os primos e primas, tios e tias. Era presença constante em festas tradicionais. Se vejo uns álbuns antigos de família, lá está ele, com o mesmo semblante e a velha túnica azul marinho.

A infância também foi marcada pela presença de padre Jorge na escola, afinal, estudávamos todos no Instituto Baroneza de Rezende, colégio de freiras tradicionalíssimo da Vila. E claro que ele estava por lá, sempre.

Na adolescência, era comum entre os meninos da região ser coroinha do padre Jorge. E eu também fui um deles.

Por alguns anos, o ajudei a celebrar a missa, usando aquela túnica branca. Olhando para trás, até parece loucura, mas naquela época eu também queria ser padre (risos).

Claro que nesse período eu tomei várias broncas dele, que era bem turrão!

Lembro um dia em que não acertei a água na conchinha que ele usava para misturar o vinho. Ele pegou a água da minha mão e fez ele mesmo com uma cara de bravo que só ele tinha.

Mas também era amoroso. Sempre que encontrava comigo e com minha irmã ele nos dava uma mordida na mão ou na bochecha!

Minha presença na vida religiosa acabou lá no início dos anos 2000. Desde antes do início da vida adulta já não sigo nenhuma religião, mas não posso negar a minha história e como padre Jorge fez parte dela.

Figuras religiosas como ele, hoje são bastante raras e quase não existem mais. Na comunidade, ele chegava a ser mais importante que o bispo e sua presença na paróquia Imaculada Conceição foi extremamente duradoura (ouso dizer um recorde) tornando-se um escândalo quando ele foi afastado de suas funções paroquiais, dado o apego dos fiéis por seu pastor.

Apesar de bastante conservador e parte de um grupo religioso que ainda carece de modernização e uma ligação mais atualizada com a sociedade, padre Jorge deixa lições importantes para uma cidade que nem sempre compreende que o objetivo final de uma religião é o amor, não importando nada mais.

E acredito ser isso o que, no fundo, padre Jorge tentou ensinar para seu rebanho durante toda sua história religiosa, sendo vitorioso em alguns momentos.

Prova disso, é uma de suas frases favoritas que repetia sempre durante as missas diárias que celebrava: “como é bom ser bom”!

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