ARTIGO

Escravidão e liberdade

Por André Salum |
| Tempo de leitura: 3 min

Durante milênios, grupos humanos se sucederam na busca de dominação, escravizando povos e submetendo aqueles que eram vencidos nas guerras fratricidas ao seu domínio transitório, considerando-se conquistadores, na ignorância das soberanas leis que regem todos os fenômenos da vida.

Nesse vasto processo histórico, a abolição da escravidão certamente foi um marco significativo no progresso da humanidade, embora ainda perdurem, em diversos pontos do planeta, condições análogas à escravidão e outras formas de dominação e exploração humana.

Apesar de não mais vivermos sob regime escravocrata, de um ponto de vista social pode-se dizer que estamos longe de experimentar mais ampla liberdade, pois aquelas pessoas, comunidades e povos que não detêm o mínimo de bens e condições necessários para uma vida digna, lutando arduamente pela sobrevivência, não podem ser considerados livres.

Sob uma perspectiva psicológica, muitas vezes nos iludimos com nossa pretensa liberdade, quando emocional e mentalmente nos prendemos de inúmeros modos. Na nossa vida interior tanto quanto nos relacionamentos existem escravidões sutis, cárceres invisíveis, algemas emocionais e grilhões mentais, dos quais normalmente não nos apercebemos. Além disso, a própria condição humana nos impõe inúmeras limitações e barreiras ao pleno exercício da liberdade.

Iludidos e dominados pelo ego, quando afirmamos nossa liberdade para fazer o que bem quisermos, estamos, na grande maioria das vezes, dizendo que queremos atender aos nossos impulsos ainda não educados, saciar nossos desejos egocêntricos, satisfazer nossas ambições e caprichos. Essa pseudoliberdade também se evidencia na reprodução de condicionamentos e padrões de comportamento aos quais ainda estamos subjugados.

Não seriam mais livres as pessoas capazes de expressar as verdades que já compreendem, que são menos reféns da opinião alheia, das convenções sociais e dos modismos? Aquelas que não dependem dos aplausos nem receiam as críticas que possam lhes ser endereçadas? Que permitem o fluir da vida e do amor através de si mesmas? Liberdade pressupõe a capacidade de expressar a essência que se é na existência em que se está, permitindo que a vida, em sua infinita capacidade de renovação, se manifeste a cada instante e situação, criando e recriando, iluminando e harmonizando tudo.

Quando se reflete sobre libertação, cabe considerar o papel das religiões e da espiritualidade nesse processo. Revelações e instruções espirituais podem – como frequentemente ocorre – ser distorcidas e usadas com finalidade opressora, condicionante, como meio de controlar e explorar indivíduos ingênuos e crédulos, cerceando-lhes o desenvolvimento, a autonomia e a liberdade. Por outro lado, as preciosas revelações de caráter espiritual que têm sido ofertadas ao mundo ao longo da história, se corretamente consideradas e vividas, tornam-se valiosas oportunidades de se trilhar um caminho de libertação, rumo a uma vida cada vez mais plena e feliz. Ao permitirem, orientarem e facilitarem a expressão do genuíno anseio da alma pela transcendência e felicidade, convertem-se em luz e roteiro, sem os quais a jornada humana torna-se labirinto repleto de armadilhas e perigos, dificuldades e sofrimentos. Uma verdadeira busca espiritual que preencha de sentido a existência, é, portanto,  imperativa ao ser humano, como a busca de água pela pessoa sedenta, busca essa que é intrínseca e essencialmente libertadora.

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