Extensa área com uma única cultura — a cana de açúcar — dominava o horizonte no sítio da família Santin, na Floresta, bairro rural, distante cerca de 30 km de Piracicaba. Carlos Ederaldo e seus irmãos, em sociedade, preparavam a terra, realizavam o plantio e tinham, como certa, a compra da produção, fruto da parceria com as usinas de açúcar e de álcool instaladas na cidade. A vida no campo não lhe punha amarras para fumar. Tal como o pai e o avô, também se tornou agricultor e consumidor de cigarros. Fumava, em um dia, cerca de 40 unidades.
Pacus, matrinchãs, carpas-capim e as famosas tilápias enchiam o tanque, alimentado pelas nascentes da região, e garantiam a pescaria nos finais de semana. No seu entorno, como para imitar uma mata ciliar, plantaram várias espécies nativas da Mata Atlântica: o colorido Manacá da Serra, a frutífera Cambuci, com seus frutos em formato de disco voador, o imponente Jatobá, algumas palmeiras Juçara, para a alegria dos pássaros e, também, exemplares de Embaúba, um clássico que atrai tucanos e até alguns mamíferos.
Portador da carteira de motorista na categoria C, gostava de dirigir o trator, a máquina carregadeira e o caminhão. Subia e descia as ruas da lavoura durante o plantio, arando a terra, ou manejando as pragas, ou colhendo e destinando a produção.
Aproximando-se da idade em que o pai falecera, subitamente, de infarto — 51 anos — e em que os irmãos começaram a implantar “stents coronários”, anunciou, para a surpresa da esposa, que faria o tratamento e pararia de fumar.
Em 2004, num grande estudo envolvendo 52 países — entre eles, o Brasil —, o INTERHEART comparou dados de cerca de 30 mil pacientes após um primeiro infarto do miocárdio. A investigação elencou 9 fatores que respondiam por cerca de 90% do risco de desenvolver doenças cardiovasculares. Modificá-los, agressivamente, poderia reduzir a ocorrência de novos eventos. Observou-se que, quanto maior o número de cigarros fumados, maior a chance de adoecer. Quem fumava 1 maço por dia tinha 4 vezes mais chances de infartar, contra um aumento de 9 vezes no risco dos que fumavam 40 cigarros — ou 2 maços.
O tabagismo impacta tanto a saúde de um indivíduo, que o estudo AFIRMAR, conduzido no Brasil em 104 hospitais, demonstrou que o maior benefício na redução do risco cardiovascular se encontra no abandono do vício — maior que o bom controle da pressão arterial e que a redução das taxas de colesterol.
Por várias vezes, Carlos Ederaldo já tentara largar o vício, usando adesivos e pastilhas de nicotina, mas nunca obtivera êxito.
No Brasil, os fumantes somam 20 milhões de pessoas, ou 9,8% da população, segundo dados de 2021 do inquérito telefônico VIGITEL. Destes, 72% declararam ter vontade de parar de fumar e 52%, de alguma forma, tentaram fazê-lo no último ano. A tomada de decisão para largar o cigarro resulta de um processo que costuma levar anos ou décadas para se completar. Segundo a OMS, os fumantes fazem, em média, três ou quatro tentativas antes de conseguir parar de fumar definitivamente. Com nosso personagem, o processo não foi diferente.
Nas voltas que a vida dá, afastou-se do trabalho no campo, ainda que a família mantivesse a propriedade rural. Ocupa-se, atualmente, em dirigir caminhões.
— Mas não é isso o que eu gosto de fazer, doutora Juliana — conta Carlos. Fico esperando o final de semana para ir ao sítio. Comprei um tratorzinho e já plantei uma roça de mandioca e de melancia. Também começamos um pomar.
Interessada, perguntei-lhe o nome das mudas frutíferas.
— Ah, já plantamos amora, amora gigante e limão. Conseguimos mudas bem formadas de graviola, jabuticaba e uvaia.
— E vocês já comeram alguma fruta? — perguntei, curiosa.
— Goiaba. Essa cresce rápido. Nesse verão vai dar de novo.
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