ARTIGO

Como explicar o inexplicável?

Por Armando Alexandre dos Santos |
| Tempo de leitura: 4 min

A Blitzkrieg das forças nazistas foi lançada sobre a França a 10 de maio de 1940, precisamente no dia em que caiu, em Londres, o gabinete pacifista de Neville Chamberlain e se tornou primeiro-ministro britânico o belicoso e determinado Winston Churchill.

O ataque alemão se deu, simultaneamente, por três frentes. Ao norte, um grupo de divisões relativamente pequeno atacou a Bélgica e atraiu as atenções e as forças dos aliados, numa inteligente manobra diversionista; parecia ser aquela a principal força alemã empenhada no conflito, numa repetição pura e simples da ofensiva de 1914. Um outro grupo de divisões atacou frontalmente a Linha Maginot, ao sul, parecendo aos aliados ser uma manobra diversionista para afastá-los da frente belga... Mas a principal e decisiva força alemã atacou mais ao centro, pelas florestas das Ardenas, exatamente onde o incompetente comando militar aliado se julgava protegido das Panzerdivisionen. O avanço rápido desse grupo rompeu facilmente a linha de defesa dos franceses e conseguiu o grande efeito tático de isolar os britânicos e parte do exército francês, ao norte, das demais forças francesas, sediadas ao sul.

O mais curioso é que o plano de invasão da França pelas Ardenas, executado magistralmente pelas Panzerdivisionen, tinha quase um século de existência. Tinha sido concebido em meados do século XIX, até nos pormenores, por um jovem cadete, como exercício de curso numa academia militar prussiana. Ficara arquivado durante décadas e foi posto em prática, com algumas pequenas adaptações, pelos alemães em 1940. Havia centenas de planos de invasão da França, nos arquivos das academias militares germânicas. Possivelmente muitos outros teriam sido igualmente eficazes.

A consequência do rompimento da frente aliada é que, praticamente, ficaram abertas as portas para a invasão em profundidade do território francês e o acesso a Paris. O plano tático inicial alemão parece que teria sido uma reunião das suas três forças de invasão, convergindo todas para o centro, mas isso se tornou dispensável, diante da facilidade com que a França entrou em colapso. Ocorreu o chamado o écroulement (desabamento) total da França, em apenas cinco semanas.

Para explicar a espetacular derrota do poderoso exército francês naquelas fatídicas semanas, a análise deve ir muito além dos aspectos puramente militares.

O norte-americano William Shirer escreveu sobre o assunto uma obra clássica em três volumes, intitulada “A queda da França - O colapso da Terceira República”. Shirer também escreveu “Ascensão e queda do Terceiro Reich”, em quatro volumes, sua obra mais conhecida e divulgada. No tocante ao desabamento francês de 1940, Shirer sentiu necessidade, para “explicar o inexplicável”, de recuar até 1870, quando da Guerra Franco-Prussiana, e escreveu uma história completa da Terceira República Francesa, desde 1870 até 1940.

Expôs e analisou em pormenores as crises internas da República francesa, profundamente dividida do ponto de vista ideológico, político, social e econômico, e mostrou que a union sacrée (união sagrada) da França inteira somente tinha podido se realizar provisória e efemeramente durante a Primeira Guerra Mundial, mas logo ao fim desta os fatores de desagregação tinham voltado a atuar à maneira de vetores, prevalecendo as forças centrífugas sobre as centrípetas. A tendência era a desagregação, a desunião, a falta de comando unificado. Isso somente se acentuou com as crises econômicas do pós-Primeira Guerra, e com o acentuado desgaste, em toda a Europa, dos modelos de república liberal e pluripartidária, que nos anos 20 e 30 tenderam a ser substituídos por regimes autoritários de direita ou de esquerda.

Esses fatores todos atuaram no Exército francês que sempre desempenhou, ao longo de toda a Terceira República, um papel de importância essencial na França, papel que ia muito além do campo estritamente militar.

Shirer focalizou e analisou esses aspectos gerais e, no contexto deles, tratou do que foi, propriamente, a débacle do Exército francês mal comandado por Gamelin, diante da fulminante Blitzkrieg dos “boches” - como pejorativamente eram designados, na França, os tradicionais inimigos germânicos. A parte do livro dedicada aos aspectos puramente militares do conflito é relativamente pequena, em face do contexto político e cultural mais amplo.

A mesma visão de Shirer é compartilhada por um amigo de juventude meu, que atualmente, no posto de general, é professor na Escola de Estado Maior francês. Segundo ele, o tema da débacle de 1940 é ainda hoje matéria de estudo e debate nas academias militares francesas, mas existe um consenso generalizado de que não existe explicação razoável para ele se ficarmos no campo estritamente militar. Somente abordagens políticas e sobretudo culturais e psicológicas mais amplas, como a de Shirer, podem ser bem sucedidas na busca de uma explicação razoável e convincente. Exatamente o mesmo pensava outro amigo meu, um diplomata francês já falecido, que vivia em São Paulo, e cujo pai foi coronel do Exército francês, ativo durante toda a fase inicial da Segunda Guerra Mundial. Mantive anos a fio, com esse amigo diplomata, longas conversas semanais sobre temas históricos e inúmeras vezes conversamos sobre o desabamento francês de 1940.

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