ARTIGO

Não choro mais

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

Não lembro a última vez que chorei de fato. Dizem que cancerianos choram pra caramba, o que talvez seja verdade. Mas, de uns tempos para cá, parece que não choro mais. Sou só eu?

Será que nos últimos meses não houve motivos para chorar largado? Pffff... Pelo contrário. Os motivos são tantos que as lágrimas não têm aparecido de propósito, só pode ser.

Em tempos onde chorar poderia ser minha válvula de escape para enfrentar esse mundão… nada, nenhuma lágrima! O avesso do inverso! Louco, né?

Costumava chorar em filmes dramáticos, desenhos animados e até novelas. Chorava ouvindo Bethânia recitando poemas ou playlists melancólicas antes de dormir.

Adorava dormir chorando. Seja pelo andar da carruagem da vida ou só pela angústia do mistério do dia seguinte. Acordava, de certa forma, aliviado de tanto chorar. Afinal, para mim, chorar sempre foi uma bênção.

Chorava no banheiro -- onde o filho chora e o pai não vê -- agachado enquanto as águas batiam forte na cabeça, soando quase como o barulho sereno do mar.

Chorava no espelho, para assistir as lágrimas escorrendo pelo rosto até secar. Um choro bonito de se encarar, é verdade. Chorar pode ser belo. Faz bem para o ego.

Mas nunca gostei de chorar ao vivo, com plateia. Meu choro real é feio e solucento. Mas já explodi em debulhas de choro no cinema ou quando meu cantor favorito cantou a música que mais gosto em um show.

Faz tempo que não choro em show.

Já chorei muito por pés na bunda, rejeições e afins. Das últimas vezes, apenas senti uma leve dor de estômago e sono profundo. Chorar? Jamais.

Chorei com o noticiário. As mortes da Covid-19. Os caixões de Manaus. Famílias velando seus entes queridos. Coisas que não me fazem mais chorar. Apenas uma tristeza profunda, sem expressão por águas salobras saindo dos olhos.

Teria eu perdido o sentido da vida? Teriam fechado os canais lacrimais? Entupiram os poros?

Até há pouco, quando encontrei minha família, meus bichos e meus amigos depois de quase três anos, não consegui chorar.

Li dia desses que a gente só chora porque sente pena de si mesmo. Pena de si por se sentir mal com uma notícia. Pena de si por ficar triste ao ver um filme fofo de um cãozinho que morre. Pena do próprio luto pela perda de um ente querido. Dó de si mesmo faz chorar, e só! É o que dizem.

Então deve ser isso, não tenho mais pena de mim. Será?

Dei um Google aqui e especialistas dizem que chorar é uma válvula de escape para a panela de pressão que é nossa cabeça. Ou seja, chorar também é uma expressão do corpo para algo que está acontecendo de estranho. E segurar o choro não faz bem para a saúde.

Mas eu não estou segurando. Juro que até tentei!

Coloquei Kings of Convenience para tocar. Dei play em uma playlist de faixas com pianos tristes. Toquei Amy no violão. Apelei para Legião, Cazuza, Nelson Gonçalves. Aos Prantos, de Letrux, e nada me ajudou.

Vi no YouTube a despedida de Rita Lee dos palcos cantando Ovelha Negra. O último show de David Bowie. Revi Meu Primeiro Amor e Meu Primeiro Amor II (não seria meu segundo amor?).

Reli uma carta de amor já amarelada pelo tempo. Fucei o Instagram de um ex-crush. Li Clarice, Fernando Pessoa e A Culpa é das Estrelas.

Revi fotos e vídeos de dias felizes. Puxei da memória os momentos mais incríveis da minha vida. Não chorei nem de emoção.

Olhei diretamente para o sol (e espirrei, mas não chorei). Puxei um pelo da sobrancelha e da narina. Comi uma pimenta inteira. Nem a picada da vacina...

Nada. Nenhuma lágrima sequer.

Vai ver é só um silêncio antes do grito, a seca antes da tempestade. Se Deus quiser, hei de chorar muito pela frente. Já vou comprar até alguns lencinhos.

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